6.6.19

Bar sem esperança: Sobre teses

M – O meu processo é no computador.
H1 – O meu é numa mesa velha cheia de papeis velhos e livros velhos espalhados, alguns por baixo de mim, dicionários (começa a divagar falando para o horizonte, a mulher já não olha para ele, mas para alguém que vem), enciclopédias, léxicos, livros técnicos, de termos, hermenêuticos, panoramas, semióticos, filologias, notas... (continua olhando para o horizonte).
H2 senta
M para H2 – Por que quando estamos a sós você não conversa?
H2 – Eu não gosto de conversas com uma só pessoa, é preciso no mínimo três para que haja cúmplices, e para que as historias se acumulem para estes momentos.
H1 – Alguns se reúnem só para falar futilidades nas ruas, no bares.
H2 – Mas é disso que a vida é feita.
M – De futilidades?
H2 – Não... de sair e falar futilidades nas ruas, nos bares.
M – Você mesmo não suporta pessoas fúteis.
H2 – Não estou falando de pessoas fúteis, mas de pessoas que falam futilidades, isto é bem diferente.
M – Qual a diferença?
H1 – Pessoas fúteis não pertencem ao “cogito, ergo, sum”, quem “pense, donc il est” tem na fala fútil muitos motivos e citações para uma noite de teses.
Cada um tira o seu próprio cigarro e ascende.
H2 – Somos uma geração burra de contemporâneos espertos.
M – Passar a noite ouvindo bandas gaúchas dos anos 80 e saber todas as músicas e cantar todas as músicas como se fossem representações exatas disso mesmo que estamos fazendo.
H2 e M para H1 – É isso sua tese?
H1 – A minha tese é sobre a importância do intelectual em transformar a filosofia no verbo do eterno retorno para a ausência do ente in progress fron a utopia do vácuo.
M – Mas isto vai contra meus valores kantianos.
H2 – Tenho certeza que ele também fazia isto quando visitava as tabernas antes de se tornar um filósofo da hipócrita modernidade.
M – Passar a noite falando mal dos outros intelectuais?
H1 – Este é o erro epistemológico que eu coloco como centro definidor na tese, de como o termo cai facilmente para este lado.
H2 – Não se trata de falar mal por falar, mas de explorar os desvios de valores alheios sob o efeito do álcool e da noite.
M para H2 – Mas você inicia isso falando também do Estado.
H2 – Mas o Leviatã contemporâneo é muito maior, mais gordo, ele come fast food.
H1 – Então só resta falar dos nossos semelhantes, os intelectuais, ou, corrigindo, os pseudo-intelectuais, porque os pseudo são melhores que os de verdade, pois eles possuem capacidades que não temos, como a capacidade de se associar.
M – Ao governo?
H1 – Não, a outros pseudos.

Diego Marcell


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