Queria
me interessar por alguém, alguém possível, alguém que ao menos gostasse de
homem. Fazê-las gostar só de mim parece tão estranho, eu não sei lidar ainda, é
muito trabalhoso, não faço nada, deve ser por isso que elas gostam de mim,
porque faço o mínimo e transbordo num carinho.
Eu
não quero ter que chegar tão tarde à minha estréia no teatro a ponto de dizer “finalmente”.
Por que foi tão difícil sendo tão fácil, sendo eu o rei do jogo? Estava vestido
de plebeu, o rei encoberto a tatear por coroas que de fato nunca soube-se da existência.
Aprender
a falar é aprender a pensar, escrever é pensar, mas num ritmo submisso ao
suporte que ajuda a performance, o problema é a vida com suas armadilhas incontroláveis.
Sentado,
segurando um artefato ciberpunk, num andar superior qualquer, um cubo branco de
cortinas vermelhas, meio clube chinês, meio cabaré Voltaire, tentar acessar os
segredos do I ching, enquanto a fumaça sobe pelas paredes, misturam conhaque no
café, o vazio existencial de Renata Sorrah em Vale Tudo, sigo ingerindo dramim,
paracetamol, ibuprofeno e cloridratos de fenilefrina, elas já não usam Chanel,
cheiram a marcas caras que perderam o glamour, não beijam os lábios e não sabem
chupar (e não sabem fazer um intelectual gozar). David Tudor no ar, temporal lá
fora, a rua desaparece, as luzes explodem, a cidade derrete, gritos anônimos das
anomalias hibridas da atualidade. Meu artefato falha, já não há verba para laboratórios
universitários, os projetos espalhados pelo chão não revelam as imagens da
minha cabeça.
Os
lideres em seu poder continuam a matar a sangue frio para proteger seus totens
de mentira, mas os gráficos em expansão do cosmos virtual global é quem cala
testemunhas, a mesma ignorância que cegava um pré-histórico possui um
pós-histórico.
Bêbado
tendo ao egocentrismo, Dionísio desperta meu corpo, apaga minha mente das lógicas
e me transfere à sua devoção pela alimentação da matéria sensível. Meu corpo quer
corpos, minha mente à serviço de tal empreitada erra, tropeça no abismo, mas
com força descomunal suga qualquer incerto para crateras escuras. Suga e sem
aviso rompe também os muros alheios pela ação que ecoa ambientalmente.
Apesar
do trem e dos cães, é às 5 da manhã que se pode ouvir a noite, os pequenos sons
dos gestos, da respiração, do pincel, da caneta.
São
novamente 5, contemplava o silencio dos pequenos sons quando irrompe latidos
sinais de humanos suspeitos na rua. Foram alguns minutos, agora mais longe. Cheguei
a ouvir a voz sem distinguir palavras.
Eu
refletia sobre o espaço-tempo, sobre a existência, sobre pornografia. Eu pensava
e sentia, fumava na varanda, eram cinco da manhã, logo ônibus, cidade, segunda-feira.
Foram
dias de hiato na escrita, mas atenção ao som. A cada lento gesto, a cada
amanhecer. A cada madrugada ouvir o fenômeno sonoro dos objetos afetados pela
vida.
Apesar
de ir a mais um amanhecer (e acordar tarde, por conseqüência), já perdi a noção
dos dias que vi surgir a luz, mesmo sem querer. Diminuí a dosagem dos remédios,
mas alimentei a da cachaça. Ontem li o suficiente para me manter calmo e alegre
para seguir, mas altero entre as várias telas, as várias ficções, enquanto não tenho
saídas ao bar mais próximo. Sem amigos, cada dia é um dia. Com amigos cada dia
é um dia.
Penso
em shows musicais, em striptease, penso em exposições de arte neon, mas quero é
outra dose, outro beijo, outro algo. Ler o suficiente, mas a noite, a
madrugada, me empurra, me leva longe. Posso citar colagens poéticas, posso
improvisar, mas quero outra dose.
Ouvir
o sino da igreja me deprime, há fantasmas que em seu ilusionismo fazem a depressão
tomar ares de paranóia, mas a verdade é que o cheiro da grama cortada logo cedo
é que me deprime mais que tudo.
Eu
penso nelas, perco o sono, eu penso nelas, mas quem são elas? Penso nelas
debaixo do neon azul, mas no neon azul não tem ninguém, a não ser sinais de que
já vai amanhecer.
Evidente
que eu queria muito dormir, é um prazer dormir, mas imagens estáticas do
passado não deixam. O olho dói, mas não há nada que eu possa fazer.
A
cabeça precisa parar de forçar ir além, ela precisa perceber o agora. A respiração
que dita o que sente, o nada, tudo está aqui, o self/eu/mim, o espaço contínuo
no tempo.
O
que os vampiros quereriam esta hora? Mas não, os nosferatus espantam as mini
saias. Perco a noção do tempo. Sinto, penso; não compreendo.
Diego Marcell
Fev/2019
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