29.5.19

            Queria me interessar por alguém, alguém possível, alguém que ao menos gostasse de homem. Fazê-las gostar só de mim parece tão estranho, eu não sei lidar ainda, é muito trabalhoso, não faço nada, deve ser por isso que elas gostam de mim, porque faço o mínimo e transbordo num carinho.
            Eu não quero ter que chegar tão tarde à minha estréia no teatro a ponto de dizer “finalmente”. Por que foi tão difícil sendo tão fácil, sendo eu o rei do jogo? Estava vestido de plebeu, o rei encoberto a tatear por coroas que de fato nunca soube-se da existência.
            Aprender a falar é aprender a pensar, escrever é pensar, mas num ritmo submisso ao suporte que ajuda a performance, o problema é a vida com suas armadilhas incontroláveis.
            Sentado, segurando um artefato ciberpunk, num andar superior qualquer, um cubo branco de cortinas vermelhas, meio clube chinês, meio cabaré Voltaire, tentar acessar os segredos do I ching, enquanto a fumaça sobe pelas paredes, misturam conhaque no café, o vazio existencial de Renata Sorrah em Vale Tudo, sigo ingerindo dramim, paracetamol, ibuprofeno e cloridratos de fenilefrina, elas já não usam Chanel, cheiram a marcas caras que perderam o glamour, não beijam os lábios e não sabem chupar (e não sabem fazer um intelectual gozar). David Tudor no ar, temporal lá fora, a rua desaparece, as luzes explodem, a cidade derrete, gritos anônimos das anomalias hibridas da atualidade. Meu artefato falha, já não há verba para laboratórios universitários, os projetos espalhados pelo chão não revelam as imagens da minha cabeça.
            Os lideres em seu poder continuam a matar a sangue frio para proteger seus totens de mentira, mas os gráficos em expansão do cosmos virtual global é quem cala testemunhas, a mesma ignorância que cegava um pré-histórico possui um pós-histórico.
            Bêbado tendo ao egocentrismo, Dionísio desperta meu corpo, apaga minha mente das lógicas e me transfere à sua devoção pela alimentação da matéria sensível. Meu corpo quer corpos, minha mente à serviço de tal empreitada erra, tropeça no abismo, mas com força descomunal suga qualquer incerto para crateras escuras. Suga e sem aviso rompe também os muros alheios pela ação que ecoa ambientalmente.
            Apesar do trem e dos cães, é às 5 da manhã que se pode ouvir a noite, os pequenos sons dos gestos, da respiração, do pincel, da caneta.
            São novamente 5, contemplava o silencio dos pequenos sons quando irrompe latidos sinais de humanos suspeitos na rua. Foram alguns minutos, agora mais longe. Cheguei a ouvir a voz sem distinguir palavras.
            Eu refletia sobre o espaço-tempo, sobre a existência, sobre pornografia. Eu pensava e sentia, fumava na varanda, eram cinco da manhã, logo ônibus, cidade, segunda-feira.
            Foram dias de hiato na escrita, mas atenção ao som. A cada lento gesto, a cada amanhecer. A cada madrugada ouvir o fenômeno sonoro dos objetos afetados pela vida.
            Apesar de ir a mais um amanhecer (e acordar tarde, por conseqüência), já perdi a noção dos dias que vi surgir a luz, mesmo sem querer. Diminuí a dosagem dos remédios, mas alimentei a da cachaça. Ontem li o suficiente para me manter calmo e alegre para seguir, mas altero entre as várias telas, as várias ficções, enquanto não tenho saídas ao bar mais próximo. Sem amigos, cada dia é um dia. Com amigos cada dia é um dia.
            Penso em shows musicais, em striptease, penso em exposições de arte neon, mas quero é outra dose, outro beijo, outro algo. Ler o suficiente, mas a noite, a madrugada, me empurra, me leva longe. Posso citar colagens poéticas, posso improvisar, mas quero outra dose.
            Ouvir o sino da igreja me deprime, há fantasmas que em seu ilusionismo fazem a depressão tomar ares de paranóia, mas a verdade é que o cheiro da grama cortada logo cedo é que me deprime mais que tudo.
            Eu penso nelas, perco o sono, eu penso nelas, mas quem são elas? Penso nelas debaixo do neon azul, mas no neon azul não tem ninguém, a não ser sinais de que já vai amanhecer.
            Evidente que eu queria muito dormir, é um prazer dormir, mas imagens estáticas do passado não deixam. O olho dói, mas não há nada que eu possa fazer.
            A cabeça precisa parar de forçar ir além, ela precisa perceber o agora. A respiração que dita o que sente, o nada, tudo está aqui, o self/eu/mim, o espaço contínuo no tempo.
            O que os vampiros quereriam esta hora? Mas não, os nosferatus espantam as mini saias. Perco a noção do tempo. Sinto, penso; não compreendo.

Diego Marcell

Fev/2019

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