20.9.12

Federico García Lorca: Um menino em alto-mar



            Federico García Lorca é considerado junto de Neruda os maiores poetas da língua espanhola, também foi dramaturgo e escritor de prosa. Nascido no final do século XIX, amigo dos surrealistas e vítima da guerra civil espanhola, foi um ativista de esquerda e homossexual assumido o que causava ainda mais intento contra ele.
 
            No Brasil, porém, ele aparece um pouco ofuscado por Neruda, aqui o chileno é pop e tem todo direito de ser, temos vários direcionamentos para ele, quem não se lembra de Chico Buarque citando ele na música Trocando em miúdos que dizia para a mulher devolver o Neruda que havia tomado e nunca lido. Diante da popularização e da proximidade do sul-americano em relação ao europeu, também é um traço desta obviedade, mas é preciso também descobrir Lorca. Enquanto Neruda tem o seu popular “Cem sonetos de amor” de 1959, Lorca já havia publicado em 1936 “Sonetos do amor obscuro”, isto não serve para fazer nenhum tipo de comparação, apenas como registro de similaridade, pois ambos remetem muito ao mar, ao clima litorâneo, mas não tropical, ambas são obras belas e nebulosas.
 
            Quando li os sonetos de Neruda estava de frente pro mar, mas num transitório período de amor e ódio; quando li Lorca estava num apartamento em Curitiba, num desligamento de ideais, na espera de amigos, no recitar didático, num momento ator, suave, num inverno quente, muito urbano e distante do litoral, mas ao ler o poema do menino em alto-mar fui levado até lá em fração de segundos, jogado no mar revolto do desejo, do sal e da melancolia de um céu escuro, de trovões que me fazem exultante contemplador do infinito.
 
            O soneto é um estado de majestade difícil de se alcançar dentro da poesia, existem muitos sonetistas, poucos são bons. Mas alcançar o patamar de um belo soneto é divino, é conseguir explorar razão e metafísica num único ser, é a graça dada por Jesus, é o nirvana de Buda, é o gozo do deflorador, é o nocaute; chegar ao soneto perfeito é transformar o mundo em onze, quatorze ou estrambólicos versos como fazia Cervantes, mas como sua origem, melhor é alcançar o conteúdo pela forma da ‘pequena canção’, fazendo uma espécie de Big Bang ao contrário, até consumirmos o verbo, o movimento e o som em pura ideia.

            Se eu não tivesse lido Lorca não sei o que eu seria, mas sei o que eu não seria, ou melhor, sei o que eu não sentiria, e sentir é ser, portanto sou outro a partir de Lorca, nele pôde se materializar o que tantos diziam a respeito de certos poetas, mas que em poucos momentos pude encontrar de verdade, em Sonetos do Amor Obscuro e Divã do Tamarit, assim eu me sentia, como menino solto, jogado em alto-mar, na escuridão e à deriva, bem como eu gostaria de estar.
 
Diego Marcell
08-2012

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