Estou triste, acabo de ver o vídeo
de uma idosa sendo agredida na rua, talvez por seu filho, isso só desencadeia
uma série de outras tristezas referentes aos seres de minha espécie, os únicos de
fato que podem ter sua crueldade com peso extremo na balança da justiça
desestabilizar tudo que os cerca.
Talvez eu esteja emotivo por estar
doente, mas talvez eu esteja doente por estar emotivo. Choro pelos idosos que
merecem minhas lágrimas, pelas crianças que merecem minhas lágrimas, pelas
pessoas na miséria que merecem as lágrimas de quem tem de fato algo a sentir.
Não assino campanhas publicitárias
para salvar o mundo. Não estampo altruísmos na camiseta como slogan de bondade.
Apenas sinto. Não hasteio bandeiras, não sou adepto de causas comunitárias, não
sou vegano. Apenas sinto. Apenas tenho relações. Nada de pré-determinações,
comportamentos programados; apenas sinto, sinto as pessoas, sinto as que
convergem não pelo que falam, pelo discurso que emitem, mas como falam seja lá
qual discurso que emitam.
Me acusam de tudo sem provas, me
interpretam mediados por valores que não reconheço mais como ditames. E num
mundo onde todos querem ser a nova boa alma do ocidente, com tanta meditação e
consultas ao analista, por continuarem todos mediados pelos antigos valores,
jamais sairão do lugar. A autoajuda é o sepulcro caiado contemporâneo, são os
placebos do consumismo. A verdade é que não há qualquer respeito, qualquer
tentativa de entender o outro, não há qualquer aderência ao bom funcionamento,
somente porque aquele que propõe é um outro, não há humildade na ignorância.
Certa vez nos ofereceram um gato. Queríamos
um gato talvez. Mas moramos numa comunidade, na época em quatro pessoas, por
educação à esta comunidade que já possuía suas dificuldades pela diversidade
cultural de sua composição, achei que não seria saudável a ninguém em amplos
sentidos, termos este morador felino. Sabe por que a diversidade causa tanto
problema? Porque as pessoas querem exercer a sua particularidade que julga inofensiva,
mas não quer que o próximo exerça a dele, ou seja, as pessoas não acreditam na
diversidade, acreditam apenas no que seu mundo reconhece como verdade.
Fato é que as pessoas andam mal, mal
da cabeça. Muita luz, muito audiovisual, muito fragmento e nenhum conhecimento
do conteúdo, não era isso que acusava Lyotard?
As mentes problemáticas que não reconhecem
seu problema tendem a foder o que esteja em seu raio. Uma mente problemática que
não se reconhece transfere ao outro aquilo que ela deveria resolver. Se o outro
fez algo bom, ela dirá que tal feito é mérito seu. Mas se ela causou algum
dano, gerará para si um bloqueio e na primeira oportunidade encontrará um
culpado.
Nosso mundo de cultura foi
construído no jogo de poder. Por isso é tão absurdo acreditarem que haveria uma
justiça de igualdade. O grande problema não é este e sim quem são os exemplos
que podem ser ouvidos. Quando uma mente que não se reconhece problemática quer
impor-se e ditar regras qual mundo uma pessoa destas geraria? Provavelmente um
sistema autoritário que só à favoreceria. Bastaria um signo de poder para que
esta se achasse no direito de criar para si uma aristocracia. Mesmo que suas
regras sejam absurdas, se este pequeno poder não fosse questionado - pois há
uma massa passiva que quer apenas que a digam o que fazer – então este poder iria
aumentando gradativamente, até que não houvesse mais conflito para esta,
inclusive gerando serviçais que transformariam sua vida num estagnado receber. Aí
eu pergunto: este aristocrata saberia dar amor a um gato?
A mente humana é uma criadora de ilusões,
graças a estrutura da linguagem, graças a atribuição de valor que ele acredita
fielmente existir no signo, faz com que nossa espécie se entregue às bobagens e
absurdos que ela mesma criou. Fazendo inclusive com que um homem agrida sua mãe
em praça pública.
Os limites da agressão estão
desencadeados por nossa linguagem. Uma mente decodificou um código
incompatível, mas existem mentes que geram códigos incompatíveis e querem
obrigar outras mentes a aceitá-los. Talvez esses devessem ser punidos de alguma
forma, talvez devessem ser isolados da presença daqueles que querem apenas
viver na harmonia em busca de uma ausência de dor. Eles também buscam a ausência
da dor, mas o problema é que eles acham que vão encontrar a ausência de dor na
diminuição do outro, sobrepujando a existência alheia.
O mundo de hoje, essa grande feira,
onde tudo é negócio e onde tem tanta gente se formando nas novas áreas que no
fundo não servem para nada. A crença nas especialidades. Mas e aquela mente
problemática, dez anos frequentando os centros de saúde mental e nem um mísero
gesto diário com seus pares? Eu diria com ênfase, troquem as terapias, as
análises, os tratamentos pelo epicurismo! Mas duvido que certas mentes poderiam
aderir ao epicurismo, quando suas naturezas são por demais insensíveis.
Eu desejaria nunca ter magoado
pessoas pelo simples fato de ser o que sou. Mas felizmente eu reconheço meus
impulsos e hoje já não me banho mais no mesmo rio. Nesta altura do campeonato,
talvez minha ausência da vida de certas pessoas seja a maneira de causar-lhes boas
sensações. Talvez pra mim não. Pois eu só sinto. O fato de eu deixá-los, que
seja demérito de ambas as partes, passado não há, se não há hoje, não há
amanhã, se há uma lágrima contida, espera-se apenas a sua atualidade de ausência,
um paradoxo que não se sabe como presenciar.
A velhinha franzina que apanhava do
gordo, tinha os dedos inquietos, os nervos tensos, ela sabia que havia uma
frequência temporal para o tapa daquele monstro. Me pergunto, como pode uma
pessoa aceitar vestir-se diariamente, sair da cama e experimentar aquilo mais
um dia? Pode, graças ao poder da linguagem, os valores levados por esta
linguagem que de alguma forma fazem com que se vivencie o sofrimento de forma
passiva, é o niilismo negativo dito por Nietzsche. A esta hora você culparia
alguém? Culparia das negligências dos outros que quiseram me imputar? Ou dos
meus méritos que quiseram roubar? Ou das vacinas que eles jogaram no lixo? Não.
Culparia então a natureza, com sua disposição ao erro? Seria inútil tal
exercício. A verdade é que o caminho é o único professor, o ceticismo a única
fórmula de medida e os gatos os únicos inocentes nisso tudo, já que segundo
Rubem Alves, eles se contentam em serem apenas gatos. Portanto, não vestirei
suas camisetas de gang, não obedecerei suas regras, não jogarei seus jogos.
E ninguém dirá a quem verterei.
Diego Marcell
27/10/2017
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