15.4.14

Os gatos



            Estou em Israel, mais precisamente Mevasseret, uma cidade satélite de Jerusalém, aqui a cerveja é mais cara e pior que no Brasil, mas acabou, então saí para comprar, já é noite, nesta época do ano tem anoitecido às 5 da tarde, apesar de agora ser quase 9, mas vamos ao que interessa:
            Fui chegando na esquina e comecei a ouvir vozes, fui diminuindo o passo, olhei com cuidado e vi um gato, falava com uma oratória impressionante, muito mais aberta e próxima ao nosso português que do hebraico, logo vi outro, parecia tenso, mas não como quando os gatos brigam, a tensão não era de conflito, o outro continuava falando e o gato mais rígido se aproximava do outro com languidez humana, eu continuei andando, parece que me notaram mas não moveram um pelo do que almejavam em seus mundos, parecia um tango repleto de flertes e sensualidade, o gato tenso também dizia algumas palavras, mais espaçadas e pausadas que o outro, que falava do mesmo lugar de sempre e com a mesma eloquência e cadência, o outro ia se aproximando até tocar a face daquele que falava e ambos iniciaram um beijo, um beijo de língua, misturado à palavras que saiam nos intervalos, e beijavam-se e falavam até que as vozes diminuíram, mas os beijos não, então resolvi não atrapalhar mais aquele momento tão intimo com meu voyeurismo, mas confesso que saí instigado e assustado com aquilo, vi ali uma evolução num epífania  meio darwiniana meio Pierre Boulle, comecei a pensar que em breve estes gatos poderão substituir os humanos.
            Quando cheguei aqui à 12 dias, me deparei com gatos enormes soltos por aí, alguns com coleiras, outros não, muitos peludos e de várias cores e tipos que não sei especificar por não ser especialista no assunto. A maioria é arisca, mas tem uns gatos enormes que ficam esperando você se aproximar enquanto te olham, o que me dá muito medo e quem acaba sendo o arisco sou eu.
            Aqui tem as lixeiras de rua onde os gatos se reúnem, e isto fez com que aqueles desenhos animados agora fizessem todo sentido, o Manda Chuva e outros; no Brasil quem comanda esta área são os cachorros, aqui eles são minorias, e turmas enormes de gatos se agrupam como mendigos junkies de olhos claros. Passei a fotografá-los nas tardes livres, e sempre aparece algum morador da vizinhança reclamando que estou tirando fotos de seus lixos, aí quando digo que são os gatos eles perdem o interesse: “The cats? Ah ok!” e vão embora.
            Cada recinto deste tem seu líder, notei a constância de lideres pretos nestes lugares, e a simples aproximação de outro gato de seu lugar de descanso é logo ameaçado com rosnar grave e cara feia, em seguida o outro disfarça e passa batido.
            Ontem estávamos fazendo churrasco e ouvimos um gato, achamos que era lá embaixo da janela, mas não, era mais próximo, na porta... minha tia tem uma cachorra pequenez menor que os gatos, abri a porta para atender o gato que não se calava numa métrica sincopada e angustiante, a cachorra saiu em disparada, não chegou nem perto do gato, pude ver que era preto, depois ele voltou, desta vez na janela, lá a cachorra não chega, somente os outros gatos que vinham atrás, ele rosnou para um que se aproximava e poderia roubar um pouco da atenção à ele destinada, apesar de calado e tímido. Este gato preto tinha uma coleira, era sagaz e independente, ou melhor, individualista, talvez egocêntrico, ardiloso, queria entrar no churrasco como se fosse convidado, mas não queria nenhum cúmplice felino, queria roubar a cena e curtir a festa, talvez ele não soubesse da cachorra, se não fosse por esta quem sabe ele tivesse grande êxito com esta ousadia, acho até que se socializaria com maior desenvoltura que alguns humanos presentes no local.

Diego Marcell

12-11-13 

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