2.2.20

            Qual o pior adjetivo que você deve me dar? Quero apenas ter todo conhecimento para gastá-lo na piscina. Meus amigos, a cerveja está gelada. Eu matei este animal (de outro gênero), irei devorá-lo com limão, cebola e sal. Não quero que me ames como o romantismo quis, não quero que mude nada por mim, não faça nada por mim, não vá pensando que sou seu. Mas eu te quero sim, não se apaixone, apenas se divirta, cite poemas, projete filmes, Bergman, Agnes Varda, Glauber. Me conte o que achou dos clássicos da literatura. O budismo ainda é minha arma. Nietzsche, pinot noir, neon.
            Vi que os animais da nossa espécie são de fato ridículos, um animal ridículo; nada se compara com os religiosos, aos dependentes do mito, eita animal sentimental que se apega facilmente a qualquer inutilidade que lhe seja útil. Eu me apego as utilidades das inutilidades para me fazer também inútil na artificialidade da realidade criada, no paraíso artificial que manufaturamos com nossos cérebros gigantes.
            Espero ver as abduções (ou arrebatamentos) como um espetáculo global, melhor que a tech art. Ser um escolhido não cabe a mim, eu apenas sou. Gosto da arte do desempenho por isso, emite valores. Quantos morreram por esta existência, para demonstrar o valor primordial do inútil quando este não deseja poder.
            Eu sou um índio, alemão, português, árabe, negro de olho verde, meu gene neandertal não foi para meu físico, não resisto muito ao frio.
            Os deuses devem ter culpa no cartório metafísico. Mas eu sou anarquista, não assino contratos em branco.
            Você já pensou em dançar no meio da guerra? Enquanto eles rangem os dentes, você sorri. Enquanto eles grunhem você faz piadas. Eles são o alvo da piada, porque eles são a piada.
            Você já se conscientizou do valor da interpretação? Nesse ponto sou pós-moderno com Derrida, nosso Homo cyber não pode emitir os mesmos moralismos de outrora. Mas a aurora pode ser perigosa, já que AI e algoritmos são patrocinados, se o Estado cair, com sua moral múltipla de âmbito global, com o mercado e suas marcas galácticas já não tenho tanta certeza. (Eu deveria citar famílias galácticas?).
            Se uma maquina comer uma maça envenenada na sua frente, e esta maquina for o totem bode, ou uma pedra na ilha de Páscoa, você ascende uma vela e ainda assim mata a cobra porque o veneno – a seu ver – mesmo que remédio, não cura um gay como Turing!? Eis uma pergunta que Bolsonaro não saberia responder, que Lula xingaria um palavrão e que Dilma com certeza usaria para uma resposta mirabolante e sem sentido. Mas talvez Obama saiba, e ainda assim finja que não.
            “Não existe lugar seguro” eu respondi quando precisávamos fugir das câmeras e falar baixo sem celulares. Não há segredos imunes ao lado mau de deus. Os templos estão vazios, os mercados cheios, os bancos bloqueiam a ilusão que você chama de espírito. Se acabar a luz elétrica só os vampiros cantarão.
            Não haverá reverso tangível na tragédia, eis uma tragédia com estética peculiar a nossa, uma estética definitivamente sem ética, flamingos e unicórnios de plástico voando guiados pelo olho que tudo vê e nada sente a metralhar descendentes esquecidos num acaso imperialista. O destino não estava a favor desses; uns diriam karma, outros apenas justa conseqüência; eu só digo ser um espetáculo muito triste de streaming.
            Quero ver as roupas desse Deus ex-machina, no centro de Jerusalém, tomado de elemento 115, quero ouvir a sabedoria de Salomão, ver se o modelo de Elias é Ford ou Fiat, porque Wolksvagem sei que não é.

Diego Marcell
2019

Nenhum comentário:

Postar um comentário