2.2.20

            Você vê minhas olheiras? Eu venho de um lugar árido, árido de idéias. Eu sempre estive sozinho nessa, e até aqueles que salvei me traíram ou abandonaram. Então eu sempre estive só; meu erro era não ter percebido isso, eu ainda acreditava na sincronia dos passos, na assertividade da sonoridade das palavras, por isso me atrasei, por achar que carregar alguém 1 km, me carregariam também. Até hoje não vi a tal retribuição do universo, por isso já não acredito em nada, por isso não obedeço as leis, não posso obedecer o que não existe de fato e só o que existe de fato sou eu, não o que as pessoas vêem de fora, mas o que eu sinto de dentro.
            Eu nunca quis ser poeta, eu nunca quis ser artista. Eu só não entendo porque as pessoas julgam tanto alguém que elas ajudaram a destruir, a criar, o monstro que elas ajudaram a criar, a construir. Eu nunca quis ser esse monstro, mas agora é impossível deixar de sê-lo. Imunidade adquirida do contrato, essa nuvem de poeira tóxica não me destruiu, ou me consumiu, como queira, mas me forjou, hoje eu sou antídoto.
            Eu sinto fome, minha cama é desconfortável, a moto que passa, o cachorro que late, a música que toca, a conversa ali, tudo me irrita, mas isso não quer dizer nada as cinco da manhã num mundo que arde nas chamas da ignorância percorrida e propagada pelas veias da sociedade. Sociedade? Quem tem parte com quem? Sociedade também poderia se chamar burocracia.
            Minha lareira estará flamejante para consumir com o lixo dos papeis enquanto bebo um cabernet. A escola, a família, a religião; você pensa que se elas te deram moral e ideologia fizeram algo bom ao mundo, a mim, a você? Nenhuma boa intenção feita sob estes valores e signos são dignos de respeito. Queimem todas as assinaturas, os contratos, os tratados e as teses, tudo que esteja de baixo da hipocrisia da fé, esta condição da nossa espécie de sobreviver pela destruição e de construir totem pela destruição da liberdade; mas eu estou com Nietzsche pela destruição da moral do homem instituído para a construção de uma nova aurora.

Diego Marcell

9/2019

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