2.2.20

            A vida toda fui inocente, fui casto, fui santo; obedeci fielmente todo mandamento. Filho da ignorância dediquei a ela minha sabedoria. E só me fudi! Agora entendo o que eles queriam, mais um igual no clã passivo, irreflexivo a conduzir uma tradição de mesmice e injustiça. Vejo quais foram suas armas a me tirar toda energia em meu ápice vital, a tirar o aprimoramento intelectual ainda na fresca juventude.
            Mas agora, no fundo do poço, aprisionado por um passado de imersão de valores distorcidos. Agora que a ilusão se materializa como paredes grossas a minha volta, já não serei santo, a inocência apodreceu como o totem de madeira barata que me fizeram adorar. E agora nada mais é considerado por aqueles que me puseram aqui, tornei-me o inimigo publico de todos que tem um ideal na cabeça. Eu sou a ameaça constante de tudo aquilo que eles esconderam por medo de assumir.
            Nada mais tenho a perder, não tenho bens, não tenho ninguém, vago numa bolha prisional imputada lentamente, enredada lentamente nos meus tempos de juventude, então já não tenho medo, nada me resta a não ser a integridade que criei, nada me resta a não ser uma verdade que não se referencia nas paredes, portanto como peixe no aquário, como o estranho no ninho farei questão de ser. Sem medo da vida e da morte serei o antagonista, o vírus, o veneno, a podridão, o pecado, o terror e o diabo; já que nem se eu salvasse a cidade, como Geni, ou as almas, como Cristo, adiantaria, eu serei sempre condenado como Sócrates por corromper a juventude.
            Mas algo que jamais abrirei mão é a justiça, pois esta habita minha natureza e, portanto, todo aquele que me acusar do contrário, desde já conclamo: eis um mentiroso!
            Se não posso ter minha liberdade pelas vias naturais que deveriam ser postas, serei o pior prisioneiro, daqueles a causar as piores rebeliões, a queimar colchões, à tornar refém o carcereiro.
            Se assinei contratos em branco atormentarei o contratante até este perceber o mal que fez, o farei se arrepender do erro que cometeu.

Diego Marcell

03/08/2019 

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