Madrugada
de domingo para segunda deitado em minha cama com a cabeça na janela, talvez
fosse o único neste prédio de idosos a ter a luz acesa; lá em baixo alguns
barulhos se atrevem às 2:37, estou muito concentrado na página 437, começo a me
debater com a cortina, fico angustiado tentando me concentrar para entender a
filosofia de Popper, não sei se é ela ou o cansaço que está fazendo isso,
resolvo dormir para tentar assimilá-lo amanhã, o silencio se instaurou na rua,
as latas, os gatos pretos ou os mendigos comedores de gatos pretos resolveram
deixar o beco dos artistas idosos em paz. Vou beber um copo de leite que tenho
fome, mas nada para comer, nas minhas andadas pelo quarto a mulher acorda e diz
frases sem sentido, hoje ela disse uma assim – não quer ouvir loucura não fomenta – mas depois refletindo sobre
isso até que a frase fazia bastante sentido. Ela acorda cedo, trabalha como
comunicadora numa empresa de extração de memórias hospitalares de ex-pacientes
do Estado, mas a tarde ela já está liberada, o sindicato dos comunicadores da
saúde estatal não lhes permite trabalhar mais, com medo do que o abuso de
informações traumáticas pode causar. Eu acordo mais tarde, o editor de uma
revista eletrônica me paga para criar piadas virtuais e enviar para seus
funcionários via email a partir das 14 horas, como sou uma pessoa sem humor
definido, mas precisava me manter diante de possíveis concorrências, então
criei um bot para isso, na verdade eu não sei criar bots, por isso tive que
comprar da empresa de um amigo da província que nasci, mas pra falar a verdade
eu não tinha 280 créditos, então eu raptei este bot com a ajuda de um outro
amigo que também é amigo deste amigo da província que nasci e inclusive também
morou próximo, mas hoje já mora mais longe, outra província.
A
mulher já trabalha naquela empresa a 2 anos e com o excesso de informações que
caíram sobre ela o sindicato enviou-a à clinica de checagem e renovação
cerebral, eu fui acompanhá-la numa tarde gelada pois precisava de acompanhante,
pois é perigoso uma pessoa esverdeada e tonta sair sozinha pelas ruas. Quero
deixar claro que “esverdeada” é pelo remédio que se aplica nas veias, acho que
é nas veias. A clínica fica naquele prédio alto que não sei o nome do estilo,
onde também fica a embaixada do Paraguai e advogados de crimes sexuais, ou
serão de animais? É que me lembrava aquele filme O olho mágico do amor, mas enfim, não vem ao caso, a não ser quando
eu estiver envolvido com algum crime sexual ou animal, ou de zoofilia.
A
porta era pequena e a recepção logo na entrada (aquela sirene chata que avisa
que você chegou ficava um metro para dentro, ao tocar na hora inesperada tende
a te assustar, caso você vá a este lugar já está avisado), mas a sala é grande,
clara, vazia e com cadeiras verdes em sequencia lateral pelas paredes e metade
delas completam o miolo da sala. Quando chegamos estava cheio de pessoas, todas
de olhos fechados, mesmo que alguns segurassem revistas, aí veio uma mulher (diga-se
enfermeira?) com uma seringa e pediu para o gordo de 50 anos abrir o olho, era
amarelado, ela injetou a agulha, o olho vazou pelas rugas fofas do rosto, aí
ela prosseguiu fazendo o mesmo numa moça de cabelo preto e escorrido com seus 20
anos, e num menino de 10 anos também gordo, acompanhado da mãe gorda (que nem
estava no tratamento, mas também mantinha os olhos fechados?), mas os gordos
ficaram restritos aos lado esquerdo, no direito uma velha de 137 anos mais ou
menos, uma mulher normal de 40 e um senhor grande da mesma idade, mas bem
elegante. Eu já havia sentado entre eles de costas para a janela, assim como
estava no meu quarto, a mulher sentou ao meu lado, a enfermeira trouxe um pano
branco e enfiou no nariz dela, no ambiente toca João Gilberto, eu não sei por
que este clima, de repente todos somem e estou só na sala grande e clara.
Amanheceu
chovendo, fui jogar o lixo e ali perto o cheiro de um produto químico era
forte, hoje não havia restos de animais. A mulher do trabalho da mulher ligou
avisando que ela não viria para casa, pois fora do horário de trabalho ela
passaria internada na empresa que trabalha para se curar das convulsões e dos
lapsos psicóticos adquiridas pelas luzes do quadro de comunicação da sua mesa,
voltando a trabalhar pela manhã, seguindo assim os horários, isso foram seus
chefes que falaram, pois logo em seguida me enviaram uma mensagem holográfica
em letras Times New Roman avisando
que ela está impossibilitada de retornar ao apartamento 37 pois provavelmente
ficará eternamente entre as duas salas da empresa. É por isso que não gosto dos
sindicatos, uma vez pertenci ao sindicato dos poetas místicos, me associei a
eles para poder participar das reformas salariais e autorais dos criadores de
signos místicos e extrassensoriais, mas eles estavam exigindo que eu usasse
somente roupas 100% algodão, mas em nossa cidade temos que usar roupas muito
pesadas pelo frio e pela fuligem, pois fiquei três meses com a pele toda
manchada na única vez que usei o kit hippie comprado no centro da cidade.
Isso
me lembrou o que aconteceu numa tarde dessas que fui no ferro velho ver alguns
livros usados, estava procurando um Ray Bradbury quando encontrei um cyborg com
quem trabalhei na instauração da casa dos ciclopes, um lugar onde haveriam
performances artístico/alcoólicas e eventuais orgias transexorcistas entre
maquinas e humanos todas transmitidas ao vivo para Júpiter, mas na época o
projeto embargou devido a embargos referentes a matérias primas vindas da
Sicilia para fazermos os drinks. Fui falar com ele que apesar de me reconhecer
me olhava estranhamente com seus olhos brancos, falei para ele aparecer que
ofereceria um óleo de cozinha, mas ele nada afirmou como o fazem os cyborgs
normalmente, gostaria de saber como andava o bonde dos mágicos de máquinas, mas
devido seu mau humor resolvi ir embora, triste, não encontrei o livro e fiquei
com sensação de oco em relação a um ex-companheiro de trabalho.
Diego Marcell
09/09/2016
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