24.9.18

Nietzsche contra Bolsonaro


... e quem quiser ser um criador, no bem e no mal, tem de ser, antes de tudo, um destruidor e arrebentar valores.
            Assim, pois, o mal maior é próprio do maior bem: este, porém, é o criador.[i]

            A única coisa nisso tudo que me deixa puto é pagar de bom moço, chorar as imperfeições da vida, e praticar os mesmos eternos erros do desrespeito ao próximo. Nunca me perguntaram diretamente sobre meu mundo, mas a prontidão para expor aos quatro ventos suas interpretações preconceituosas baseadas na falta de conhecimento ao meu contexto, ou ao contexto de que falo, para isso se apressam e não se envergonham de fazê-lo.
            Estou largando o peso do mundo, por mais que este seja uma casca muito próxima da minha pele e doa arrancar. Os devotos de Mamon (os porcos capitalistas ou os aristocratas socialistas) acham que é o dinheiro. Outros tantos imersos e doados ao sistema de poder acham que é loucura. Tanto faz o que pense o inferno, a verdade é que sou eu um produtor de existência, para isto é que se vive.
            Observarei e quiçá até defenderei sem julgar as loucuras do mundo desde que nenhuma fira a minha forma de viver, se queres, portanto me constranger, reprimir, boicotar, censurar... eu não serei um passivo ouvidor; inclusive nem atentarei ao discurso, serei Marte e tal qual o planeta vermelho farei com que o sangue cubra a canalha.
            Basta que um terço da vida de um homem tenha sido destinada ao enfraquecimento da potência do Um, escola, igreja, ritos, normas, regras, tradições que vieram para domesticar, para o poder domar a Vontade, gerar a doença da anti-natureza para nos obrigar a comprar os remédios que criaram e chamaram de felicidade, de efeito com data e hora marcada, após a aposentadoria, com a pele flácida a dois dias da morte.
            É preciso ter a cada dia a experiência única, é preciso estar presente a cada hora, é necessário perceber a oportunidade de criar no acaso sem que o tempo conste no relógio. Se para os covardes idealistas eu viajo (sic), “falar a verdade e ser certeiro com as flechas, essa é a virtude”, ou seja, não varrerei para baixo do tapete, eu quero a sujeira exposta, ditando claramente o porque das coisas estarem ali.
            A massa adora pegar o que não conhece e re-contextualizar na sua fantasia, e no abismo da psique há o crime e o hospício, já não vêem a beleza da coisa em si, mas sonham sempre com uma mímesis que caiba no seu bolso.
            É preciso afirmar a vida, a sensação do fenômeno como conhecimento par excellence, quem precisa dos signos quando se tem as experiências? Afirmar é Pollock, afirmar é dançar, afirmar é conhecer alguém na rua, afirmar é parar embaixo da cachoeira, é reconhecer o erro, se desculpar, é Garrincha driblando, doar um agasalho sem campanha de TV, é burlar a lei para fazer o bem, é ser maleável com o outro porque o dia é lindo, afirmar é dizer não, é quebrar as regras, é abdicar da técnica, é corromper os puros, criar atalhos, questionar as certezas, derrubar os padrões, bagunçar a ordem; “negar e aniquilar são condições no ato de afirmar”. A bondade é uma aureola de mentiras na cabeça dos homens, quando, porém, se reconhecer dúbio, poderá buscar o equilíbrio yin yang, através da aceitação da verdade que é uma realidade de conflitos para enfim ser honesto consigo e o outro. Aceitar-se-á a partir daí a multiplicidade e variedade de relações, caindo assim tantas leis rígidas baseadas em valores antigos de dominação e padronização por medo do diferente. Se a diversidade reina, o diferente passa a ser uma regra tão ampla que não permite mais uma unificação de poderes, fazendo com que todos sejam aptos à sociedade.
            Com a manutenção da tradição pelos “bons” - Nietzsche anuncia incrivelmente em seu texto além de profecias do século XX como guerras e o nazismo - o que me chama a atenção pra essa onda dos conservadores apoiadores de Bolsonaro, onde todos nós sentimos na pele, tendo um pai, uma tia, um vizinho, uma amiga que cegamente e sem raciocinar aderem a este discurso tão antiquado e moralista; que vejo o quanto sofremos debaixo dessa repressão católico romana e o modelo militar para que queiram no século XXI eleger um presidente que represente tudo que lutamos para destruir, sabendo que é uma balela seu discurso de bondade, sendo que não respeita o que não se enquadra no padrão destes valores predefinidos. “Homens bons jamais falam a verdade. Falsos portos e certezas ensinaram-vos os bons, nas mentiras dos bons fostes nascidos e mantidos. Tudo foi distorcido e mentido até o âmago pelos bons”. Toda ideia de respeitar a tradição e manter seus valores é para que a massa siga igual, estagnada por gerações, sem questionar, reproduzindo o preconceito que segmenta e favorece ao poder vestido de ideal; manter o mito em vigência acalenta a alma dos fracos e aprisiona os livres, pois há assim uma massa de policiais, covardes com medo do que a diferença pode causar, desta feita seguem as palavras de Zaratustra:

Os bons – eles não podem criar, eles são sempre o princípio do fim – eles crucificam aquele que escreve novos valores sobre novas tábuas, eles sacrificam a si o futuro, eles crucificam todo o futuro dos homens!
Os bons – eles foram sempre o princípio do fim...
E sejam quais forem os danos que possam causar os caluniadores do mundo, o dano dos bons é o mais danoso dos danos.

Diego Marcell
Setembro de 2018




[i] Todas as citações foram retiradas do texto “Por que eu sou um destino” de Nietzsche in Ecce Homo.

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