23.8.17

Relatório vida-performance: introdução 2005-2006



 
A vida performance consiste para mim no atual momento em colocar em prática testes de vida atrelado a um complexo de conhecimento adquirido ao ser, no sentido de experiência de existente, se por um lado o que Helio Oiticica aplicou em arte com suas “vivencias”, partimos agora ao cotidiano, mais intensamente, mais profundamente, corroborado às técnicas do mundo contemporâneo, mas independente disso, pois utilizar de objetos não se faz necessário e suficiente, servindo apenas como alcance, extensão, acaso e caso, escolha, arbitrariedade para o que se julga essencial no tempo, por consequencia tempo-espaço.
            Sendo que tal relatório vai perpassar escritos antigos, memórias e coisas vindouras, numa tentativa de organizar e apresentar a mim mesmo resultados de reflexão, portanto inundado pelo liquido filosófico, mas junta-se todas as conexões já antes abordadas, das quais, vou me apropriando declaradamente ou não, que porém, servirão talvez, mais ao entendimento do outro, sendo que minha própria experiência de escrita se faz concomitantemente às questões essenciais de ser, quanto estilo, ou seja, criação artística e autoconhecimento. Assim irei abordar de forma não linear qualquer ponto de reflexão, desde a inserção de textos antigos, anotações de projetos de arte, até possíveis mudanças de rota. Mas primeiramente vou resgatar pontos de intersecção dos elementos que fizeram parte seminal do processo, ainda sem qualquer noção conceitual, dentre as tentativas artísticas mais antigas principalmente pelo aporte videástico, pois se minha primeira arte foi a escrita, apenas com a introdução do vídeo no pensamento criativo pude estender a questões autodeterminantes em linguagem artística específica. Entendo que o termo linguagem pode ser problemático neste contexto, mas creio estar claro onde e a que se presta.
            Ainda que com o texto Modertrô eu tenha inserido quase simultaneamente a questão, o objeto propriamente fundador era muito mais visual e de relação às memórias infantis que instigado pelo pouco conhecimento me fizeram exercitar, já com o vídeo e a própria posição, ainda que capenga de conceituar o cinema Modertrô talvez lá por 2006, extraindo o termo, já que o conceito se mostra falso, por questões puramente ontológicas e da qual não adentrarei agora, nem vejo no momento necessidade, porém quanto a mecanismo prático ali sim, ainda que muito raso, justamente por não haver qualquer subsídio que me auxiliasse teoricamente, mesmo assim, como investigação já havia o extrato básico com componentes que permanecem ou que sustentam uma conciliação do existente com sua extensão. Sendo raso justamente porque com 20 anos morando com os pais qualquer formação vem apenas como modo de modelar ao qual afasta o ser do verdadeiro autoconhecimento, o que me impossibilita de avaliar apenas temporalmente sob suposições de outras relações, de ser e de meio, por ser intrínseco a particularidade que forma aquele que é.
            Em 2005 montamos uma banda, quase que pra aprender a tocar, mexer com a criação musical. Logo em seguida fiquei um mês fazendo um curso intensivo de cinema em Curitiba, ao voltar eu e Marcos Worms já vínhamos pensando numa criação visual, fotográfica, que recordando agora, ainda usando uma câmera de filme 35mm de meu pai fazíamos varias séries fotográficas de algumas de nossas aventuras de bebedeira jovem. Voltando à 2005, emprestamos uma câmera digital de um amigo e realizamos varias fotos artísticas, buscando o abstrato e a semiótica (mesmo sem saber de semiótica). Também realizamos vários vídeos curtos seguindo a mesma lógica de investigação visual. Desse material sai o filme Memórias do meu mundo, este é escrito sobre uma mistura de docdrama surrealista. Também havia tido algumas experiências em vídeo 8 mm com o Israel Winter, mas muita coisa foi perdida porque as ficas eram sempre reaproveitadas. Gravamos nossos jogos de futsal na quadra do DNER, e algumas cenas improvisadas que iriam para o Memórias, mas ficaram muito ruins, visto que não existiam atores e no interior a desenvoltura em frente as câmeras fica ainda mais prejudicada. Mas um fato que ocorreu e que pode ser conferido aproximadamente 5 minutos no Youtube[1], foi um ensaio da nossa banda Dogma 85 no porão da casa dos pais do baixista Diogo.
            Nossos ensaios a muito estavam tendendo à pura performance, eu e Marcos compúnhamos muito, mas nos ensaios achávamos mais interessante a “piração”, o improviso, o Diogo não gostava muito. O Mide, baterista, faltava muito, até testamos uns dois bateristas, mas não tinham nenhuma noção, então neste dia da gravação, com a ausência novamente do baterista, começamos a pura exploração corporal e sonora para a câmera, o ensaio todo deve ter dado aproximadamente 20 minutos, meia hora, em que se percebe uma exploração daquele fenômeno, com exceção do Diogo que em raros momentos esboça uma interação além de fazer o som no instrumento. Este registro acho importante porque mostra um caminho, ao menos a mim – evidentemente – já que algumas explorações deste tipo me vinham ao interesse, onde eu tinha acesso através da Sesc TV - se não me engano era este o nome – com uma ampla programação de teatro, dança, artes visuais e música alternativa* naquela época.
            Recentemente meu pai trouxe umas caixas que haviam ficado no meu antigo quarto em sua casa, nela tinham uns CD’s que resolvi testar e ver o que tinha e numa das mídias encontrei duas fotos e dois vídeos (que ainda não consegui rodar), mas que pelas fotos lembrei do fato. Certo dia eu e Raquel Zanini andávamos pelo centro de Mafra e encontramos muitas caixas contendo lixo tecnológico, muito computador destruído, monitores, peças e plástico bolha, creio que isso tenho ocorrido por volta de 2006. Então pegamos aquilo e levamos pra casa com o intuito de fazer alguma “intervenção”. Lembro que no quintal dos pais dela espalhamos aquilo e tentamos algo, mas já era inicio de noite, a tecnologia não ajudava e nem havia público passante que desse sentido, lembro ter sentido uma enorme broxada com aquilo e pensado que não perderia mais tempo com coisas do tipo. (Mas agora parece que os registros mantiveram de alguma forma aquilo na existência, apesar da baixa tecnologia comparada a hoje, ela fez com que o fenômeno existisse ao menos além do efêmero).
            Em outro momento eu junto a Raquel até cogitamos uma espécie de performance/instalação (acho que escrevi a respeito em outro texto, mas seguirei assim mesmo), porém, confesso que eu é que retrocedi na ideia, porque me carecia conhecimento, e assim, propósito para algo que eu imaginava que teria certa repercussão, no sentido de causar estranhamentos numa cidade do interior. Pensávamos num corredor que as pessoas passavam e viam uns pães embolorando com referencias ao mapa do Brasil e ao fim um guitarrista e eu saindo do lixo, não sei bem, mas essa era ainda a parte que mais me interessava, acho que pela guitarra e o microfone; já a parte dos pães eu não via um propósito que me chamasse, ou seja, não estava me convencendo tal diálogo dos pães mofados e o trabalho social. Claro que a falta de maturidade tanto do conhecimento dos conceitos e linguagens, quanto a falta de noção de entrega a uma pesquisa se assim fossemos realizar algo contribuíram para a desmotivação.
            Lembro que eu queria fazer shows com a banda em porões apertados, muito inspirado pelo que vinha acontecendo com a Cansei de ser sexy que eu acompanhei o inicio na MTV e depois pela internet. Acontecia algo similar em Curitiba, em lugares como o extinto Retrô, som autoral bizarro que tinha seu lugar. Mas infelizmente os demais integrantes não se dispunham a tal experiência, e mesmo que ocorresse, qual seria o público numa cidade preconceituosa do interior de Santa Catarina?

Diego Marcell
23/08/2017

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