16.11.11

Texto sagrado e ecologia

“Enquanto textos religiosos, os textos bíblicos carregam em si a intencionalidade do testemunho enquanto modalidade doutrinal. A mim parece ser claro e evidente que o conjunto dos textos da Bíblia hebraica estão alocados, arquitetados em função da afirmação doutrinal de que o Deus Yahveh é a divindade superior e o único Deus verdadeiro. Isto é, o objetivo central desta obra é a afirmação de um credo monoteísta, o qual foi sendo forjado ao longo de séculos em meio a polêmicas religiosas, constituindo a Bíblia hebraica uma espécie de síntese e ápice deste processo. Outros temas como Jerusalém, Davi e Messias são funcionais a este objetivo maior. No Novo Testamento trata-se de um conjunto de textos que busca colocar a messianidade de Jesus de Nazaré como fio condutor desta obra. A junção das duas partes, Antigo Testamento e Novo Testamento, gera uma confluência e complementaridade destas temáticas centrais.
Além deste testemunho doutrinal como centro e ápice destes textos religiosos, o conjunto da obra carrega em si muitos elementos que marcam a historicidade dos momentos originários dos textos. Trata-se aí da memória histórica, como expressão da encarnação do divino na história. Os textos sagrados falam os dialetos do profano da história! Cabe, porém, a observação de que, em termos teóricos, não se deveria exagerar demasiadamente o caráter histórico dos eventos retratados nos textos, porque estes textos movem-se em boa medida na freqüência de textos em linguagem mitológica. E aí o histórico são os textos propriamente, carregando os textos muitas vezes apenas elementos ou fragmentos do contexto histórico originário.” (REIMER, p. 2)

Haroldo Heimer nos traz a luz dois textos que exploram este caráter uníssono que o povo seguidor do Criador deve trazer em sua preocupação ecológica. No livro de Êxodo no capítulo 23, versículos 10 e 11, é colocada a preocupação com a sequencia saudável da terra e dos animais através da instituição do ano sabático, ou em Deuteronômio 22.6-7 onde fica evidente a preocupação com o ciclo dos animais, um cuidado para a não-extinção das espécies, assunto que veio a tona apenas a pouco tempo histórico, também a preocupação com o desmatamento, principalmente durante as guerras (Dt 20.19-20) coisa que outros povos não se preocupavam, acabando com boa parte da mata nativa em decorrência da rivalidade nacional.
Há outro destaque divino na declaração que o ser humano deve possuir uma relação higiênica (Dt 23.13-15), mitologicamente o argumento seria a presença do Deus que não se mistura com a imundícia, porém fica claro através do olhar moderno a necessidade para a subsistência do povo ao evitar doenças que levem a morte da população pela proliferação do mal. “A questão central nem é salvar a Terra. Ela se salva a si mesma e, se for preciso, nos expulsando de seu seio. Mas como nos salvamos a nós mesmos e a nossa civilização?” (Leonardo Boff¹)
Ao analisar outras características envolventes do texto sagrado, vemos também a ligação direta da vontade de Deus, criação, ordem e a preocupação de manter a casa que nos foi dada, o relato da criação não é apenas mitológico, mas simboliza bem a ligação direta e, portanto necessária de harmonia do ser humano com a terra.
“Seguramente não somos o centro do universo. Mas somos aqueles seres, portadores de consciência e de inteligência. pelos quais o próprio Universo se pensa, se conscientiza e se vê a si mesmo em sua esplêndida complexidade e beleza. Somos o universo e a Terra que chegaram a sentir, a pensar, a amar e a venerar. Essa é nossa dignidade que deve ser interiorizada e que deve imbuir cada pessoa da nova era planetária.
Devemos nos sentir orgulhosos de poder desempenhar essa missão para a Terra e para todo o universo. Somente cumprimos com esta missão se cuidarmos de nós mesmos, dos outros e de cada ser que aqui habita.” (Leonardo Boff²)

Vê-se a natureza do trato religioso no texto sagrado dos judeus justamente por este aspecto ecológico-higienico-saudável e como trato mítico das expressões da época o fato de o não cumprimento destes aspectos gerariam o afastamento de Deus do povo. Hoje isso serve de claro respaldo a humanidade pós-moderna que entende esta necessidade de um mundo no limiar do desastre natural, consequencia do antropocentrismo da modernidade que priorizava a produção pela exploração.
“A Terra é um gigantesco superorganismo que se autoregula, fazendo com que todos os seres se interconectem e cooperem entre si. Nada está à parte, pois tudo é expressão da vida de Gaia, inclusive as sociedades humanas, seus projetos culturais e suas formas de produção e consumo. Ao gerar o ser humano, consciente e livre, a própria Gaia se pôs em risco. Ele é chamado a viver em harmonia com ela mas pode também o romper o laço de pertença. Ela é tolerante mas quando a ruptura se torna danosa para o todo, ela nos dá amargas lições como estamos assistindo atualmente com os eventos extremos.” (Leonardo Boff³)
Por isso se faz necessária uma hermenêutica ecológica, não por modismo, mas por esclarecimento da vida saudável do ser humano, com o cosmos e com Deus, pela harmonia da vida que clama por isso desde sempre, mas agora a necessita desenfreadamente.

Diego Marcell
10-2011


Referencias:

REIMER, Haroldo. Hermenêutica ecológica de textos bíblicos. http://www.haroldoreimer.pro.br/pdf/Hermeneutica_ecologica_de_t.pdf
BOFF, Leonardo¹. A ilusão de uma economia verde. http://leonardoboff.wordpress.com/2011/10/16/a-ilusao-de-uma-economia-verde/
BOFF, Leonardo². Educar para a celebração da vida e da terra. http://leonardoboff.wordpress.com/2011/08/31/educar-para-a-celebracao-da-vida-e-da-terra/
BOFF, Leonardo³. Gaia se defende: faz diminuir o crescimento. http://leonardoboff.wordpress.com/2011/09/07/gaia-se-defende-faz-diminuir-o-crescimento/

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