24.7.18

            A trilha é Stravinsky, um pinscher de casaco azul calcinha me acompanha, não sei se combina, mas esta é a realidade e não um filme francês.
            Meu vinho é de baixa qualidade, o único tinto seco do mercado, custou dez dinheiros, tudo que eu tinha.
            O óleo está lá a mais de uma semana, mas vou usá-lo mesmo assim, pra jogar minha bisteca de porco. Uma banana. Pra acompanhar um tomate em inicio de decomposição.
            Aqui é um frio que ninguém imagina no Brasil; caminho por ruas desertas, pequenos prédios retos abandonados e uma fumaça de mato seco que queima não se sabe onde. Nem é muito noite à dentro, mas parece madrugada, eu caminho sem esperança num cenário de suspense norte americano. Aqui sempre foi filme B. Cidadãos desconfiados, janelas fechadas, fantasmas.
            As jovens ficam restritas a jovens playboys de camisa pólo branca que quando chegam a minha idade estão uns polentões de dois queixos, calvos, usando tênis de corrida e moletons. Mas o carro é do ano, apesar das músicas da adolescência no MP3.
            Então as raras mulheres que me importam são mais velhas, perdidas no mundo, rodeadas de xucros de meia idade que não sabem o que fazer. As solteiras, separadas e sem cultura estão interessadas em aventuras ultrapassadas com coleguinhas na mesma posição que não as levarão a lugar nenhum, a não ser em darem de cara com uma velhice anacrônica com as roupas no espelho.
            Vê-se aqui que a rotina os satisfazem, é o desejo do mesmo pedaço de carne e da mesma marca de cerveja pro fim de semana.
            As manifestações religiosas em praça escondem os mesmos pecados em massa, os pequenos poderes levados até onde dá.
            Caminho solitário na noite gelada e vago no apartamento vazio, não existe ninguém comigo, só lembranças de um futuro a ser fabricado, agora sem certeza, pausado.
            Espio na janela entre uma taça e outra, fico abismado com a falta de sensibilidade para ouvir música. Hoje só se é capaz de ter sensibilidade com a tal roda e o beat mais que acelerado, numa perda de noção que os faça atravessar numa única freqüência 9 horas de um culto ao vazio máximo da cultura humana.
            Sentir, sentir, sentir e abdicar da razão é exaltar um Dionísio de gesso, mas que eles não sabem que se chama Dionísio, justamente por ser de gesso. E é de gesso porque foi moldado por um tataraneto apolíneo que se perdeu de tanto tempo que passou imerso em blockbusters hollywoodianos.
            Chet Baker, Oiticica, Garrincha, Nietzsche, o que estes nomes tem em comum? Estão todos desempregados nesse sistema. Estão todos sem um puto, dando lucro a alguém sem qualquer talento.
            Foram os policiais da cultura que mataram a todos os grandes que morreram cedo.
            Entre as pedras e as gravatas, ondas e chamas, nade contra a corrente, contra toda corrente que pretende lhe segurar. Um artista é um corpo que se move, um criador é um espírito que se move. Não há um sem o outro.
            Ela não sabia nada do mundo dele, só aparências platônicas. Ele queria sentir, ela correspondia, mas o reflexo do autômato é como o ideal platônico.
            Não mude um fio de cabelo por mim se quiser fazer por mim. Bebo vinho relembro, sou tão absurdamente brasileiro, muito miscigenado pro santo ideal europeu.
            O que é o jazz, o samba, o rock senão um chamado ao espírito, a sagrada bunda que faz o quadradinho. Um terreiro de batuque sem a fantasia italiana da Sapucaí e nomes conhecidos, isso é a realidade, o que não se fala, o que sente.
            Chet voltou a si quando ela negou seu amor. Seu amor símbolo, anel devolvido. Chet voltou a si na baixeza ante os ideais da família e do estado policial, Chet agora está errado para os mortos que quiseram lhe matar. Chet está vivo.
 
Diego Marcell
22/05/18

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