Estou vendo uma série do Netflix sobre relacionamentos contemporâneos
chamada Easy; depois de ver os três
primeiros pulei para o quinto porque o quarto não me interessava, essa é a
vantagem dessas séries onde os episódios são independentes. Bom, o quinto
episódio é intitulado Vida e arte,
que basicamente fala de um cartunista que faz livros autobiográficos, que
geralmente irritam pessoas que ele se relacionou e viraram suas personagens.
Porém quando ele se envolve com uma jovem artista que faz autorretratos com pau
de selfie usando basicamente o mesmo conceito do seu objeto de arte e também
artista inspirador, este é que se irrita, enfim, não vou me ater a história,
mas sim ao reflexo que estas séries nos trazem do mundo que vivemos e ajudamos a
produzir. Existe um momento ao final em que ele tenta se desculpar, mas que
finalmente entende que não o deve, pois naquele momento ele compreendia a
questão, vida e arte, não há diferença. Apesar de toda carreira feita sobre
este conceito, só que usando uma única linguagem específica e que tenha uma
capacidade de escamotear isso pela ficção, sua geração não conseguia
compreender a atualidade do mundo onde tais conceitos finalmente se fundiam no
tempo-espaço rompendo as páginas de devir, pois uma transmissão ao vivo em
vídeo muda tais relações entre pessoa real e objeto personagem, assim sendo, não
há mais como colocar véus de alegorias, de fato o artista retratado por outro -
sem saber - deveria compreender o poder de mídia intrínseco a eles. Se faz da
sua vida o objeto de sua arte, natural que outros objetos que se relacionam
tornem-se objetos de acordo com seus valores específicos.
Como falei anteriormente a um
caminho de estreitamento das mídias para a revelação do filósofo artista,
apenas como totalidade fenomenológica, onde em seu limítrofe de combate social
seria um cínico Diógenes, mas não precisamos ir tão longe, pensemos o artista
contemporâneo, não aqueles que vivem lambendo o rabo do governo e das
instituições, mas o performer que nesta sociedade traz a instabilidade para o
que é senso comum e das normas que a massa esqueceu de pensar e apenas aceita.
Para isso este artista deve ter certa consciência de si, compreender o que faz,
e o que faz é o que vive, assim
para Hymes, pode-se
classificar em três tipos a atividade de um homem, no bojo de seu grupo
cultural: behavior, comportamento,
tudo o que é produzido por uma ação qualquer; depois conduta, que é o comportamento relativo às normas socioculturais,
sejam elas aceitas ou rejeitadas; enfim, performance,
que é uma conduta na qual o sujeito assume aberta e funcionalmente a
responsabilidade. (...) A performance e o conhecimento daquilo que se transmite
estão ligados naquilo que a natureza da performance afeta o que é conhecido. A
performance, de qualquer jeito, modifica o conhecimento. Ela não é simplesmente
um meio de comunicação: comunicando ela marca.[1]
Portanto este
performer deve com sua vida marcar uma sociedade empastada de valores. Do
contrário, se o artista vem para ratificar um valor dado externamente por um
poder específico, ele não está sendo um performer, e sim um idiota. O que
designa um idiota é justamente a incompetência, visto que não consegue chegar a
um destino qualquer pelas vias da virtude, então,
performance implica
competência. Mas o que é competência? À primeira vista, parece como savoir-faire. Na performance, eu diria
que ela é o saber-ser. É um saber que implica e comanda uma presença e uma
conduta, um Dasein comportando
coordenadas espaço-temporais e fisiopsíquicas concretas, uma ordem de valores
encarnada em um corpo vivo.[2]
Aqui mais
próximos de valores deste performer mídia pessoal, portanto, ainda muito
presente no plano geral da vida-performance.
Pensemos agora no uso de linguagens
específicas (considerando suporte, ou seja, se o corpo é o suporte e a dança a
linguagem, temos um campo para a forma fenomênica) e Zumthor afirma que “a
performance é sempre constitutiva da forma”[3], claro, não
há separação, seguindo a lógica da criação como extensão do um.
A forma nascida do fenômeno que é um ato daquele que desempenha baseado
numa vida construída nos próprios valores é a forma digna para um mundo
pasteurizado, já que “a forma não é regida pela regra, ela é a regra. Uma regra a todo instante recriada, existindo apenas na
paixão do homem que, a todo instante, adere a ela, num encontro luminoso”[4], sendo por
esta iluminação nascida da paixão que este artista tem do seu próprio processo
que é a vivência dos próprios valores e seus níveis de relação estético/social
por suas extensões.
Diego Marcell
24/08/2017
Vida-performance
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