25.8.17

Forma e vida-performance



Estou vendo uma série do Netflix sobre relacionamentos contemporâneos chamada Easy; depois de ver os três primeiros pulei para o quinto porque o quarto não me interessava, essa é a vantagem dessas séries onde os episódios são independentes. Bom, o quinto episódio é intitulado Vida e arte, que basicamente fala de um cartunista que faz livros autobiográficos, que geralmente irritam pessoas que ele se relacionou e viraram suas personagens. Porém quando ele se envolve com uma jovem artista que faz autorretratos com pau de selfie usando basicamente o mesmo conceito do seu objeto de arte e também artista inspirador, este é que se irrita, enfim, não vou me ater a história, mas sim ao reflexo que estas séries nos trazem do mundo que vivemos e ajudamos a produzir. Existe um momento ao final em que ele tenta se desculpar, mas que finalmente entende que não o deve, pois naquele momento ele compreendia a questão, vida e arte, não há diferença. Apesar de toda carreira feita sobre este conceito, só que usando uma única linguagem específica e que tenha uma capacidade de escamotear isso pela ficção, sua geração não conseguia compreender a atualidade do mundo onde tais conceitos finalmente se fundiam no tempo-espaço rompendo as páginas de devir, pois uma transmissão ao vivo em vídeo muda tais relações entre pessoa real e objeto personagem, assim sendo, não há mais como colocar véus de alegorias, de fato o artista retratado por outro - sem saber - deveria compreender o poder de mídia intrínseco a eles. Se faz da sua vida o objeto de sua arte, natural que outros objetos que se relacionam tornem-se objetos de acordo com seus valores específicos.
            Como falei anteriormente a um caminho de estreitamento das mídias para a revelação do filósofo artista, apenas como totalidade fenomenológica, onde em seu limítrofe de combate social seria um cínico Diógenes, mas não precisamos ir tão longe, pensemos o artista contemporâneo, não aqueles que vivem lambendo o rabo do governo e das instituições, mas o performer que nesta sociedade traz a instabilidade para o que é senso comum e das normas que a massa esqueceu de pensar e apenas aceita. Para isso este artista deve ter certa consciência de si, compreender o que faz, e o que faz é o que vive, assim

para Hymes, pode-se classificar em três tipos a atividade de um homem, no bojo de seu grupo cultural: behavior, comportamento, tudo o que é produzido por uma ação qualquer; depois conduta, que é o comportamento relativo às normas socioculturais, sejam elas aceitas ou rejeitadas; enfim, performance, que é uma conduta na qual o sujeito assume aberta e funcionalmente a responsabilidade. (...) A performance e o conhecimento daquilo que se transmite estão ligados naquilo que a natureza da performance afeta o que é conhecido. A performance, de qualquer jeito, modifica o conhecimento. Ela não é simplesmente um meio de comunicação: comunicando ela marca.[1]  

Portanto este performer deve com sua vida marcar uma sociedade empastada de valores. Do contrário, se o artista vem para ratificar um valor dado externamente por um poder específico, ele não está sendo um performer, e sim um idiota. O que designa um idiota é justamente a incompetência, visto que não consegue chegar a um destino qualquer pelas vias da virtude, então,

performance implica competência. Mas o que é competência? À primeira vista, parece como savoir-faire. Na performance, eu diria que ela é o saber-ser. É um saber que implica e comanda uma presença e uma conduta, um Dasein comportando coordenadas espaço-temporais e fisiopsíquicas concretas, uma ordem de valores encarnada em um corpo vivo.[2]

Aqui mais próximos de valores deste performer mídia pessoal, portanto, ainda muito presente no plano geral da vida-performance.
            Pensemos agora no uso de linguagens específicas (considerando suporte, ou seja, se o corpo é o suporte e a dança a linguagem, temos um campo para a forma fenomênica) e Zumthor afirma que “a performance é sempre constitutiva da forma”[3], claro, não há separação, seguindo a lógica da criação como extensão do um.  A forma nascida do fenômeno que é um ato daquele que desempenha baseado numa vida construída nos próprios valores é a forma digna para um mundo pasteurizado, já que “a forma não é regida pela regra, ela é a regra. Uma regra a todo instante recriada, existindo apenas na paixão do homem que, a todo instante, adere a ela, num encontro luminoso”[4], sendo por esta iluminação nascida da paixão que este artista tem do seu próprio processo que é a vivência dos próprios valores e seus níveis de relação estético/social por suas extensões.

Diego Marcell
24/08/2017
Vida-performance


[1] ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção, leitura. São Paulo: Cosac Naify. 2014. p. 35.
[2] Idem, p. 34.
[3] Idem, p. 33.
[4] Idem.

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