1.2.16

Master junkie


            O mote do ficcionista é a pobreza, ter que andar de ônibus; quando ganhei minha primeira centena de milhares de dinheiro eu já não escrevia, fui piorando tematicamente gradualmente, não o estilo em si, mas de nada serve o estilo quando não se tem nada para dizer.
            Hoje resolvi experimentar a velha sensação de pegar o ônibus às 19 horas horário de Brasília. Não me vesti de operário, seria over e não seria eu nem para certa experiência. Tomei banho, me perfumei, passei gel nos cabelos e vesti um blazer, não o top, isso seria babaquice, um blazer do dia a dia, da noite.
            O cheiro de merda contrastava o meu perfume, eu tentava descobrir se era alguém ali que tinha pisado na merda, vi uma marca no degrau, mas acho que não era a merda raspada de algum calçado.
            As coisas que analiso nos pobres são difíceis de expressar, ainda mais agora, depois de tantos anos sem escrever sobre coisas reais transferidas à ficção; essas coisas dos pobres, a decadência dessa gente, os velhos pobres sem perspectiva do que fazer, além de comer e criar uma montoeira de outros pobres. Quase como a minha vida, que também não almeja mais nada, mas eu tenho um charuto pra fumar e nenhum outro ser para cuidar, seja pobre ou rico.
            Entrei num beco escuro cercado de velhos prédios pichados abandonados ou que servem de pensionato, geralmente para putas e drogados. Uns caras jogam cartas de pé no frio, apoiados num sinalizador de concreto da ciclovia, paro para admirá-los a certa distância, não paro por completo, tenho certo medo, eles são mal encarados; então vejo um agito de carros e bares na rua que cruza a próxima esquina, sigo em direção, vejo um velho cinema que hoje recebe shows adultos, neste momento passa próximo a mim, quase no meio da rua um conhecido que a 30 anos atrás era traficante em minha cidade, eu sou do interior do estado. A principio quero passar despercebido, o que de fato ocorre, então mudo de ideia.
_ Ei João...
            Ele se vira assustado.
_ E aí?
_ E aí. (Agora somente ressabiado).
_ Tem uma erva?
_ Como sabe meu nome?
_ João é uma forma de chamar.
_ Mas parece que eu te conheço.
_ É, você também me parece conhecido, você é de Morada!?
_ Ah, e como você sabia que tenho erva?
_ Não conheço quem tenha, então imaginei que por aqui a probabilidade de encontrar seria grande.
_ Pô cara, mas eu não tenho, só pó.
_ E sabe com quem eu consigo?
_ Quanto você quer?
_ Não pode ser muito porque estou de ônibus e não tenho bolsa.
_ 30?
_ 50!
_ 100?
_ 30!
_ Vem comigo.
            Ele sacou o celular e pareceu escrever para alguém. Chegamos num boteco, ou seria boate? Cheia de espelhos nas paredes. Entramos, ele deu uma olhada em volta, se dirigiu a uma mesa, sentamos, bom... eu fui sentando, não sei se era assim, havia um homem magro de pele envelhecida e manchada de sol que não sei presumir a idade, ele chamou o garçom e fez um sinal que queria dizer, como uma pergunta, o que eu queria, fiquei na dúvida se era bebida ou erva, acho que ele deduziu isso.
_ Bebe o que?
_ O mesmo que você.
            Isso foi uma forma de prepotência calculada misturada a dúvida, mesmo. Me trouxeram uma bebida horrível, amarga pra cacete, era um misto de biter com mijo do capeta.
_ Ele quer 50.
_ Só isso?
_ É que eu to de ônibus e não tenho bolsa.
_ Velho, parece que faz uma cara que você não fuma, vou te arranjar um negocio doido, mas toma cuidado, pode dar convulsão em abstêmico.
_ Não faz tanto tempo assim.
            Sei que essa hora era pra dizer que o João tava se amassando com umas putas, mas a real é que ele era um fraudinha, uma espécie de nerd que foi pro lugar errado.
_ Passa a nota aí, pode deixar que a bebida eu acerto.
            Saí da boate, mas ainda insatisfeito com meu estado sóbrio, resolvi achar alguém pra bolar um beck pra mim. Fui saindo calmamente daquele fervo, mas não a ponto de me isolar de um lugar povoado, até que me deparei com um casal que conversava a uns 10 metros de um bar que fica na esquina, eram jovens, quanto jovens pensem o que quiserem, eram elegantes, mas compatível à idade, seja lá a idade que for, estavam concentrados em algo, parece que fotografavam com suas máquinas invisíveis algum fato microscópico, eles riam, às vezes na iminência de gargalhar.
_ Vocês tem seda?
_ Se for bom o que você tem aí, eu posso ir lá pra dentro providenciar. (Disse o rapaz).
_ Foi a promessa, mas pra mim também será novidade.
            Ficamos eu e a garota.
_ E aí?
_ Qual é velho? Resolveu pirar hoje ou faz isso com frequência?
_ Com frequência. E você, com sua máquina da mulher maravilha, é sempre assim?
_ Só nos dias que mamãe deixa. Quando digo mamãe, quero dizer, agência.
_ É modelo?
_ Atriz e manequim.
_ E cantora?
_ E domadora de feras radicais, tipo o Bicho aí.
_ Toma... (passando pra mim).
_ Você bola?
_ O Parkinson não o permite (disse a moça).
_ É ponta firme (disse o rapaz depois de 15 minutos e algumas bolas).
_ Ele quis dizer que era de confiança a dica, mas parece que ele, cai, na língua do, sapo...
_ Do gênio ... (saiu da minha boca).
_ Vamos seguir. (disse ele 10 minutos além, a mais).
            E fomos pelas ruas frias em direção ao centro, tropicando em praças e xingando partidos e nomes de políticos famosos contemporâneos e também aqueles que tem seus bustos nas praças.
            Ela se dependurou na cabeça de Santos Dumont e gritou para uma travesti:
_ Ei guria! Já andou de avião? Sabia que não foi este cara que inventou o tal do avião? É foi não! foram os irmãos Coen...
_ Esses não são os cineastas? (Perguntei).
_ Não, cineastas são os irmãos Lumière (disse o outro).

Fim alternativo para chapado.

            Então caí num buraco na calçada, e tive que ser levado pelo SAMU.
            Os médicos fumaram minha maconha e enquanto isso abriram meu cérebro e assopraram a fumaça nele e fiquei mais chapado que os três juntos, acordei num meta-sonho, costurando minha pele neste conto.

Diego Marcell

28/7/2014

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