28.1.16

Olho de peixe na salmoura


            Ouça o barulho do meu sapato correndo sem direção no asfalto úmido da madrugada, uma metrópole do mundo que abriga histórias sem nexo e barulhos ensurdecedores de máquinas e caminhões durante o dia.
            Eu paro pra fumar contraluz e decido ir a um bar de chinês que talvez frequente algum conhecido, é uma possibilidade mas não uma certeza.
            Sento no balcão e na dúvida, ainda não beberei meu Domecq, pedi a cerveja que acho boa, mas não a maioria. O china nunca lembra da minha cara ocidental, mas eu não me esqueço da dele, apesar de ser chinês. Hoje estou calmo e até aguento três minutos do papo furado da mulher do chinês, a china. Logo depois me viro para admirar os clientes, eu chamo de público, e resolvo ascender o meu gudang, aqui neste tempo e lugar, podemos sim, ascender e fumar algumas coisas. Senta um velho gordo e forte ao meu lado, um cara rústico mas urbano, seco porém não aparenta ignorância demasiada como a maioria possível ali. Estou estranho a ponto de puxar um assunto com o velho, ou melhor, vou falando de cara:
_ Meu objetivo é construir uma máquina que me anule, é sim, que anule a mim, mas não chamarei ela de “autoanulante”, preciso pensar num nome melhor, você sabe do que se trata?
            Ele é que parece me anular com seu desdém, geralmente os velhos e ainda mais os velhos nos bares de china e ainda mais os velhos nos bares de china que sentam no balcão, adoram um papo. O velho roda seu copo sujo de purinha, dedos grossos com um daqueles anéis que os bacharéis usavam antigamente. Então ele fala:
_ É uma teoria?
            Não me contento de felicidade e nasce um sorriso autônomo em minha boca.
_ Sim, econômica, baseada em Marx, mas antes que você pense que sou marxista...
            Ele me interrompe.
_ Não estou interessado em mesquinharia.
            Me bate a decepção o que me faz ficar cabisbaixo, mas eis que o velho se manifesta.
_ Continue, quero saber da máquina.
_ Marx sabia de sua limitação como frontman revolucionário, então Engels, seu grande patrocinador, também era uma espécie de consultor de imagem, tipo um assessor, sabe? Então, certa vez, numa sinuca de bico de suas teorias econômicas, eles resolveram criar um opositor, que nada mais era que o próprio Marx. Com este opositor eles continuariam logrando da fama baseados na distorção da realidade fazendo valer certas místicas fundadas na representação icônica do próprio teórico...
(silêncio)
_ Tá, a máquina – continuo -. Baseado nisso resolvo eu me transportar à inteligência artificial de minha própria existência como ser tautológico de certas castas, pra prolongar meu estado de realidade no outro “eu” parto à realidade das virtualidades da comunicação, isto pode ser através de um aplicativo, ou até mesmo um noticiário na TV, mas o que realmente me interessa, é que quando eu estiver no estado de semi-consciencia, naquele estado em que Freud diz que podemos alcançar as imagens apesar de elas serem independentes, sabe?
_ Isso, ...
(BOOM)
            Neste momento ocorre um estrondo lá fora, é uma batida na porta de metal, entram dois agentes da polícia especial, um cara branco, cabelo escuro e forte, e uma loira, forte, mas não masculinizada, e lá fora fica o outro agente interrogando umas prostitutas, e travestis e bêbados e mendigos e crianças e ele é negro e mais forte ainda que o Capitão América, mas é negro e não completamente americano do norte, apesar de bem afeiçoado, ele pode esconder algo.
            Um garçom do china que também é china - depois vim a saber que era primo do china do bar -, saiu correndo, pegou uma bicicleta na parte dos fundos do prédio e saiu pelo beco, nenhum agente percebeu, nem eu mesmo, nem o velho, que a essa hora pediu um quibe frito.

Diego Marcell

28/7/2014

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