5.10.15

Elipse


            Em meio ao caos da cidade entre guerras civis, um gordo vestido de homem-aranha se arrasta pelo chão até alcançar a porta de madeira de uma velha loja de quadrinhos, ele tenta abrir, mas ela está fechada e no vidro colado o aviso – fechado por tempo indeterminado __/__/1957.
            Damos um salto de tempo e o anão vestido com macacão bege fala com voz jovem enquanto se arrasta de costas pelo chão e com destreza se levanta escorando na parede, ele tem uma espécie de chapéu capacete e me manda comprar um aplicativo que irá me ajudar na “vida louca”, eu um tanto confuso não sabendo se saio deste misto de barbearia e boteco e pego carona no caminhão da moça que vende arquivos pirateados.
            Antes de toda essa história, um grupo de amigos havia me levado a uma antiga estação de trem abandonada que em época de cheia servia de reservatório onde as pessoas pagavam para se banhar, pois achavam que era medicinal; meus amigos diziam que eu estava precisando muito do tal banho.
            Lembro que a fila era enorme, eu na cara de pau entrei direto, disse que só ia dar uma olhada, acho que os porteiros não acreditaram mesmo que eu tava a fim de banhar-me, alguém foi comigo, quatro ficaram no fim da fila mesmo eu garantindo que não ia me misturar com aquela porquice.
            Quando entrei e dei de cara com aquele banhado, era como um quintal cheio de lama, uma espécie de charco, lembro de ter falado que aquilo nem era fundo, mas alguém dentro da água me garantiu que aquele pedacinho o cobria.
            Era um clima de fanatismo religioso, todos com risos delirantes, e eu o único mal humorado, apesar de irônico.
            Saí pelo canto, uma escada velha de metal, subi correndo cuidando para não tropeçar, outra escada, desta vez já dentro da antiga estação, chamei de longe o resto da turma, havia junto uma menina que não sei se a conheço apesar de me parecer tão familiar, branca, classe média, ruiva, cabelo bem curto, andrógina, minha esperança dela ser a única ali que não propagaria as ideias antiquadas do socialismo, que ela fosse a salvação que há no outro lado, no outro mundo, num mundo mais clean e menos místico, mais racional.
            Voltamos para admirar o charco numa espécie de cena bucólica do inferno, sentados próximos a escada enferrujada, não lembro das suas palavras, só lembro da naturalidade com que lambi sua orelha.

Diego Marcell

2014

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