1.9.15

O ideal e a contradição anarco-comunista


            Quando trato que comunistas, Sartre e agora anarquistas são românticos, quero dizer que estes possuem um ideal, acreditam na idealização de algo, almejam um paraíso, o romântico que se suicidava pela amada, o cristão que se entregava por esta fé, o anarquista ou comunista que busca na revolução a mudança. De todos, porém, os cristãos são os menos piores (ou absurdos) pois não são filhos do conceito de “bom selvagem” de Rousseau, ao contrário, sabem que não prestamos e que o mundo sob nossa égide está fadado ao fracasso, assim ausência de governo é coisa natural, mas seres de cultura e portanto de artificialidade, imantados de vontades e paixões, antinaturais do cosmo instintivo, não podem viver sem governo, sua ausência não me assegura a diferença de ser e poder existir em segurança; esta é a liberdade, mas para eles “a garantia do bem-estar de todos será pré-requisito da garantia do bem-estar de cada um”[1], ou seja,  passo a ser governado por um espírito de massa alheio, uma “natureza” artificial do social que pode anular-me por ter o poder de reconstruir este cosmo humano, tal poder de anular a natureza usando seus mecanismos, a primeira contradição aqui.
            Na atual era dos Black bloc’s, os cybers-anarquistas e anarquistas do século  XXI que ao ouvirem os ensinamentos de “lutarem contra a iniquidade, mentira e injustiça” se colocam em outras contradições, a primeira é de lutar por uma vida que não lhes é vivida, ou seja, continuamos no campo do ideal, o que parece ser o grande argumento de orgulho de Kropotkin quando diz no inicio de sua conferencia que “admite-se de boa vontade que o anarquista possui um ideal”[2], o que deixou claro na história que ter ideal foi o grande erro de nossa espécie, e anarquistas tendo ideal e se orgulhando disso... partiremos então a outra contradição, a da anulação de algo para a liberdade, eles dizem que deve-se acabar com a igreja, por exemplo, numa análise ampliada o anarco-comunismo quer encerrar a religião pois esta é uma prisioneira do intelecto, e neste ponto concordo plenamente, menos com a parte de acabar com ela passando por cima de seus crentes, pois isto se torna contraditório e antilibertário, pois a religião também é manifestação do espírito de nossa espécie e como tal no contexto social, uma necessidade, se pela evolução da mesma dentro de sua natureza ela vier a se tornar obsoleta, aí sim teremos mostrado que demos um passo adiante, o que me parece impossível, mesmo porque sempre haverá alguma espécie de substituto para este espírito, sendo que o comunismo marxista é um deles. Então a contradição toma ares patológicos quando a escritora Elsa Cerqueira faz uma citação assim: “reconhecemos a plena e inteira liberdade do individuo: queremos a plenitude da sua existência, o livre desenvolvimento de todas as suas faculdades (...). renunciamos a mutilar o individuo em nome de um ideal seja ele qual for”[3]. Então devemos cancelar objetos de cultura em nome de um novo modo social generalizado por uma ausência de uma construção histórica, mas por “novas relações sociais, sob a forma de um contrato voluntariamente consentido”[4] passível de um concilio de idiotas totalizadores (?), o que é outra evidente contradição até com qualquer conceito basilar de anarquismo.
            Kropotkin coloca a Anarquia como uma filha das ciências naturais a contrapor as crendices, até por isso ele elabora esta nova forma de natureza, que está muito além das ciências naturais, mas é uma espécie de deus de laboratório, ou melhor, um Big Bang filosófico de laboratório que deseja mudar a ordem natural através do artificial. O problema é que o preço pago por tal tentativa de revolução é demasiado elevado e sua garantia de sucesso quase evidentemente nula, por isso a meu ver a anarquia individualista e a anarquia como espírito que se dispõe a transvalorar as condições morais é que são o caminho mais seguro e viável para uma mudança, mesmo que isso faça com que a revolução se camufle na complexidade da construção cultural que a sociedade realiza diariamente.

Diego Marcell
17/4/14

Nota:
KROPOTKIN. A Anarquia – sua filosofia, seu ideal. São Paulo: Imaginário, 2000.



[1] KROPOTKIN. A Anarquia – sua filosofia, seu ideal. p. 12.
[2] Idem, p. 16.
[3] Idem, p. 10.
[4] Idem, p. 11.

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