1.11.12

O fim divino



“Achava muito natural o sacrifício de Abraão, pois teria imediatamente matado pai e mãe, a uma ordem vinda do Alto; e nada segundo seu ponto de vista, podia desagradar ao Senhor quando o propósito era louvável. (...)
            Perguntava à freira:
- Então, irmã, acha que Deus aceita todos os meios e perdoa o fato quando o motivo é puro?
- Quem poderia duvidar disso, madame? Uma ação censurável em si mesma, muitas vezes torna-se louvável em razão do pensamento que a inspirou.
            E assim prosseguiam desenredando os desígnios divinos de Deus, prevendo as suas decisões, fazendo-o interessar-se em coisas que, na verdade, não lhe diziam respeito.” (Guy de Maupassant. Bola  de Sebo e Outros Contos. Martin Claret, São Paulo. 2001. p. 37)

            Assim segue quem se veste de santidade, quem vê tão proximamente Deus que possui liberdade para declarar as palavras diretas dele em sua conotação mais certeira de vontades e desígnios. Essas vontades e desígnios que contrariam a ordem natural e humana da Razão numa distorção divina de um deus inconstante que muda de ideia em situações esporadicamente especiais para iluminados, mostrando assim sua falta de domínio sobre a própria criação, declarando sua não-soberania. Isso desde a leitura de Abraão à profecia de algum crente pentecostal, à afirmação (oração) de um líder neopentecostal ou à indução servil de algum Hare Krishna capitalista até às oferendas aos deuses do panteão afro-brasileiro que refletem seu povo no que diz respeito a fome e ao vício pela cachaça.
            Na beleza forçada da devoção às vidas futuras pelo aprendizado das vidas passadas, das provas num mundo vago em algum sistema fantástico que reproduz nosso mundo físico, em mensagens de escritores incansáveis que tornam como trapaceadores da vida terrena quando depositam informações usando dos seus Chicos e Joãos para perpetuarem seus talentos de uma de suas vidas mais nobres sobre outras tantas, esquecidas.
            Ou dentre tantas seitas cristãs que proíbem os seus de lerem e saberem de qualquer coisa que não seja produzido por seus/suas profetas e suas casas publicadoras.
            Realmente para todos estes os fins justificam os meios, ou melhor, para realizarem seus meios colocam um deus nos confins dos seus argumentos.

Diego Marcell
31-12-2011

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