26.7.16

Não estar


            Talvez muito tenha se falado sobre pessoas que não se enquadram, eu particularmente li pouco ou quase nada, por acaso ou sua falta. Se falamos de falta, como o título diz, me remeti logo a Heidegger, pois muito tempo depois, por vias não lineares, finalmente posso entender a representação nadificante do nada.
            Acabei dizendo que era anarquista de forma definida naturalmente, pelo meu não-lugar, porém o anarquismo também tem um lugar, que não concordo, justamente por estar é que ele se anula, pois existem coisas que afirmando-se anulam-se e vice-versa, como é o caso do nada. O anarquismo é uma espécie de nada, por isso conceitualmente digo que o anarquismo que existe deve ser espiritual e não aquele que vai na prateleira da política.
            Quando flerto com o existencialismo é porque ao identificar sua origem em Kierkegaard expressa-se claramente as aproximações estéticas que este expunha em seu filosofar do qual dialogo, portanto, segue-se mais como um modo de ver que propriamente uma aderência de estilo filosófico, pois se assim fosse talvez eu seria mais um partidário de Sartre. Isso é o mesmo que ocorre, por exemplo, quando Karl Valentin diz que Kant falava dele, mesmo que o texto em questão fosse escrito anos antes; acontece que ao saber que ele se referia à uma espécie de hipocondria, uma força mental que toma todo o corpo, acabei me incluindo nesta anulação espaço-temporal ao afirmar que eu sou Karl Valentin.
            Kant dizia que este “doente” assemelha-se ao louco, e o que vem a ser o louco? Todos já devem ter lido a História da loucura e imagino que saibam melhor do que eu sobre o assunto, por isso vou seguir no meu estilo livre e me dar o direito de delirar. O louco está separado, não vou entrar nos requesitos morais implicados em tal situação, e sim quanto ao grau de separação que sofre este hipocondríaco, ou até poderíamos listar outros fatos à enquadrar um individuo, mas será que nos interessa seguir com estas nomenclaturas sem embasamento? Daí que eu gostaria de recorrer à Patafísica, mas minha patafísica não é dadaísta e sim pós-moderna, e enquanto o mundo de memes impõe uma nova moral vexaminosa como escape do politicamente correto, prefiro me isolar mais uma vez.
            A cultura atual do internetês gera uma genealogia de equívocos do qual partimos à formar a sociedade do equivoco, quando porém, pensa-se a “inovação” - termo aderido do marketing-, e utiliza-se da construção equivocada para instituir uma revolução ao modo do século XIX, tem-se na manutenção do equivoco o filho do que acusava Debord na sua Sociedade do espetáculo, o que me faz mais uma vez fugir de qualquer enlace às superficialidades contemporâneas.
            Meus livros não são aceitos por editoras, esta pressão à metodologia e às regras muitas vezes põe em dúvida meu ser no mundo quando esqueço-me de a quem ele pertence, aos idiotas (vide Nelson Rodrigues, ou Ibsen), mas a questão é, se há tantos idiotas em destaque o que fazer? Chego a ser tão idiota a ponto de não conseguir ser um. É aqui que entra a loucura e seu isolamento de nível externo como resposta ao interno visto nos marginais de outrora, mas não os marginais oficiais, estes são produtos de prateleira. Lembrando que os mortos (portanto representações da ausência na sociedade do espetáculo) sempre são produtos de prateleira, mas eu não quero ser Van Gogh e não me refiro ao isolamento causado pela loucura, novamente, mas pelo isolamento da obra em vida.
            O deslocamento de alguém perante a massa e seus inúmeros segmentos regrados é que compreende o espiritual anarquista, pois este pertence à ausência de estado, sendo o estado alheio sempre, o que ocorre é que a nomenclatura “anarquia” torna-se a representação nadificante, somente isso, o estar ausente, e seguindo agora no melhor modo rizomático de quando podemos afirmar, “vamos às regras: não há regras!” assim é que escrevo uma tese, um conceito, assim vivo. Melhor comigo que com estados.
            Tom Zé diz que sua inventividade musical se deu pela deficiência, já devo ter me referido a esta tese alguma vez, mas creio que valha aqui, pois me incluo como um deficiente mor, mas o que importa com esta tese é que ela implica uma verdadeira condição de igualdade ética na sociedade, pois abre ao respeito oriundo do não-estado, ou seja, não vem da imposição de um aparelho fabricado, mas deve ser visto como proporcionado pela construção do conhecimento humano, nisto a inclusão daquilo que surte efeito favorável à fluidez de uma sociedade autônoma não mais automota. Evidente que a tese do poder nascida na proto-religião da caverna virá novamente como causa, ou pelo menos uma das primeiras causas identificáveis para tal enquadramento das coisas em sociedade, a propagação da técnica que visa um fim formal que se pretende exemplo executável a fim de corroborar com a genealogia e, portanto, propagação da glória, através de muitas opiniões, ou seja, a realização desta sociedade pautada na doxa faz com que a origem seja inquestionável, pois a raiz se pretende agente invisível para frutos e sementes que irão dar continuidade ao ciclo, mas a construção humana não é natural, e portanto, construir o conhecimento é criar, isto implica diversidade e desvio. Quem definiu a forma ideal? Platão vem para propagar a mediocridade dos ideários para a sociedade como réplica da natureza, mas este divino que instaura a sequencia lógica baseada no sol também permite agora a nova possibilidade (já nem digo verdade) que nasce do erro e do conflito, do qual Nietzsche e sua concepção Dionísio/Apolo podem finalmente propor na experiência outra realidade da qual não necessita qualquer fim lógico, mesmo porque nada se sabe sobre fim lógico entre nossa espécie.
            O conflito de estar no mundo e não pertencer a ele como ensinava o amoroso evangelista João, segue a lógica de estar entre idiotas sem tornar-se um, e de pertencer à raiz que emana um DNA sem assumir as construções comportamentais da tradição, porque é onde um Édipo tem a necessidade de matar conscientemente seu pai sem ter qualquer interesse em encontrar qualquer mãe; e que isto possibilita a descoberta dos pontos cegos, conflitos de angústia e prazer que jamais darão ao status quo do poder conteúdo de doxa, mas servem para a estranheza do ineditismo à expurgar do uno não mais modelos, sóis e fins, mas apenas a existência do ser-aí.
            A criação (poiésis) tem um destaque no ser-aí, por isso a Art brut tem mais proximidade com não-estados e por isso eleve o estranhamento à necessidade de uma prateleira da qual ninguém irá construir, novamente deixando a presença nadificante no ar. O mercado e o poder do estado não podem ceder lugar a coisas oriundas de não-estados a não ser por negação, ou seja como ausência da coisa. Pois a falta de serventia do particular que se publica serve apenas para a identificação, desenvolvimento e abertura para novas construções do conhecimento humano de caráter poiético e particular, mas que não podem agir aos estados de poder, sendo inclusive, prejudicial a estes.
            Quando a necessidade construída pelos estados de poder nos faz colocarmo-nos nos outros então realmente vamos ao inferno e lá sucumbimos entre quatro paredes flácidas pela miragem no deserto causada pelo grande sol/Verdade que foi instituído a todos, exceto aos cegos, neste caso aos loucos de hospício sem diagnósticos falsos. Como já não existem hospícios, eu o transformei também numa representação nadificante para conceituar aos moldes mais imediatos uma ausência; o não pertencimento inconsciente.
            Voltemos à consciência que investiga os não-estares proclamados dos estados, mas dos quais estão nos não-estados dos espíritos livres pois são estes que carecem de uma sociedade reeducada horizontalmente para que possam viver. Quando se instiga uma sociedade à autonomia por meio da investida no indivíduo, suas particularidades e especificidades, não se pensa na propagação do instinto, como podem pensar alguns, mas justamente o oposto, para que o ser possibilitado de manipular sejam níveis técnicos quanto instintos, encontre àquilo que é poiético, que vai ser expelido pela força do conflito, pois foi tratado em angústia e prazer para somar ao conhecimento humano não repetível mas exemplificável às novas aberturas de possibilidades de se encontrar. Assim o uníssono da espécie se dá não pelo uníssono formal que é estado, portanto, externo, mas espiritual que é interno e implica especificidade de espécie, materializado no artificial, este como ideia nasce do uno pessoal, anulando assim a perfeição vista de cima, pois todo circulo de perfeição é inédito, inclusive o natural, portanto àquela verdade se oriundo do circulo natural não pode ser transferida aos infinitos círculos artificiais, pois não cabe alteração de perfeição. Já a construção do conhecimento não pertence a qualquer circulo, sendo assim rejeita à noção de perfeição como propriedade que o compõe, sua finalidade é outra, vindo como campo a possibilitar círculos, lembrando que com esta concepção não se atribui juízo de valor sobre a perfeição, de modo a definir coisas como bom ou mau, ficando isso à outra matéria.
            Aí alguns concluiriam que vários círculos poderiam ser abarcados por outra concepção global de perfeição, mas não, a perfeição encerra-se nela mesma, não pode ser concebida como peça de conexão, é apenas círculo. Então outra questão... isso como noção à sociedade pode ser prejudicial por de alguma forma manter o conflito? Sim, mas lembrando que para a espécie não, sendo a espécie mais importante que a sociedade, o risco que corre a sociedade - que é algo construído sob valores, e que se dispôs pelo externo, ao imputar artificialmente um círculo que corresponda à perfeição ele está querendo fabricar a perfeição, o que é incongruente, pois o estado perfeito é quadrado e não um círculo, afirmação absurda, como a própria ideia que a gerou – então de qualquer forma este risco é irrelevante diante do fato de prejudicar a espécie, que teve sua potência alterada pela construção de conhecimento defeituosa pela exterioridade com seus interesses de poder, na tentativa de uniformização que tem valor de origem, ou seja, genealógico.
            Se o poder de um idiota adestrou idiotas com menos conhecimento, não quer dizer que ainda hoje devamos aceitar que o mundo em que indivíduos habitam seja ainda a transferência de valores externos, por isso que destruir qualquer pequeno totem que encontramos no caminho é uma maneira de propiciar à espécie humana noções que valham à mesma como condição de proporcionar lugares a todos, não pela dialética do materialismo, mas do espírito.

Diego Marcell

26-7-2016 

Nenhum comentário:

Postar um comentário