As
relações na existência proporcionadas pela teoria ciborgue de Donna Haraway
veem de encontro com muitas outras questões que podemos corelacionar a partir
de um ponto de superação dos vieses dualistas da cultura ocidental, que estão
inclusive, solidificadas nas concepções marxistas, e por isso, noto a
divergência dos grupos minoritários que se aderem a tais ideologias para que
estas abarquem as suas, pois quando a fundo, as linhas marxistas e da chamada
esquerda de modo geral, vão esbarrar numa incoerência “espiritual” das
possibilidades destas minorias alcançarem de fato seus objetivos mais nobres, o
de se inserirem como normalidade numa sociedade múltipla, sem a divisão disso
ou daquilo; e é justamente isso que a autora do Manifesto ciborgue nos possibilita com sua teoria, apesar de ainda
chamar ela de feminismo socialista,
creio que por um problema histórico em seu próprio país com os opositores
políticos e a supremacia militar dos Estados Unidos da América.
Deixemos,
porém, os pontos menores de fora, para focarmos nas grandes vantagens que o
mito ciborgue nos proporciona, e não apenas ao feminismo, mas para toda
manifestação de uma sociedade sem preconceitos e dominações externas de poder,
sejam de que nível forem, pois isto pode ser reflexo familiar de uma tradição
longínqua, ou os aparatos de dominação estatal presentes em vários pontos da
sociedade, em maior ou menor grau dependendo do governo.
Creio
que as revoluções causadas pela informação e pelo ciberespaço, ao saírem do
controle, ao mesmo tempo que podem servir a grandes dominadores, ela também
lhes foge, pois sua construção e poder é incalculável a cada novo servidor que
adquire novidades. Por isso a possibilidade do anarcocapitalismo, seus Bitcoins, seus negócios colaborativos e
toda possível fuga de um Estado opressor, que pretende escravizar toda
individualidade e existência com suas burocracias, só servem para repensarmos
quais as ideologias que os grupos minoritários depositam sua fé e esperança,
pois tudo indica serem opções contraditórias e um verdadeiro tiro no pé.
Donna
Haraway assim como Nietzsche, nos ensinam a viver, a experimentar a vida, a
existência, em sua plenitude, por isso ambos criticam os dualismos, na verdade
Nietzsche critica e expõe seu veredito filosófico, e Haraway apresenta uma
prática possível graças a contemporaneidade e sua alta tecnologia.
Mas
ainda há um ponto de toda convergência que parece esbarrar naqueles que desejam
a dominação, e ainda mais, aqueles que desejam a eliminação do outro, que são
os espíritos fracos ditos pelo filósofo alemão, que é a questão do niilismo
ativo. Este niilismo podemos contrapor ao seu oposto, o niilismo passivo, num
único personagem, aquele vivido por Christoph Waltz no filme Teorema Zero; pois ali aparece
claramente os dois principais objetos de crítica social dado por Nietzsche: o
mercado e a fé. O personagem trabalha numa empresa que quer revelar a razão da
existência, porém ele tem esperança numa ligação que revelará o propósito de
sua vida, assim ele abdicou de experimentar uma vida plena aguardando a
resposta externa, ao mesmo tempo que sua empresa é movida por um propósito de
mercado e não de valores reais para a humanidade, sendo assim ele segue com seu
vazio, autodeclarado, pois não consegue projetar o paraíso artificial quando a
garota de programa assim o permite. Ele então alcança de fato uma mudança e
passa a outra perspectiva, não necessariamente de felicidade, mas de saída do
vazio, quando entende que a ligação era falsa, ou seja, a esperança era numa
mentira, e que o teorema zero não importava; a partir deste momento, e
portanto, agora um niilista ativo, ele pode finalmente vivenciar o paraíso
artificial em toda sua possibilidade, deixando claro ser a isto que estamos
condicionados como seres humanos, diante do absurdo e da banalidade que é a
existência, ter consciência da artificialidade do paraíso é fundamental.
Porém,
a sociedade guarda grande preconceito e marginaliza os niilistas, pois eles vão
contra os valores arcaicos que ainda comandam a sociedade, mesmo que laica, ela
está impregnada dos valores do mundo perfeito e separado dado por Platão. No
filme Cubo, por exemplo, ele serve
para expor as hipocrisias sociais, quando temos o artista de fugas que é um dos
primeiros a sucumbir naquele sistema (pois no fundo, o criador só pode agir
para si e não para a comunidade, assim aquele sistema social personificado no
cubo é responsável pela velocidade da sua eliminação de acordo com sua inutilidade
para a comunidade deficiente dos suprimentos básicos necessários); temos aí uma
médica que tem paranoia com teorias da conspiração; um policial que é
assassino, sendo o grande inimigo do grupo; aí finalizamos com a “salvação” do
altista, e a grande contribuição da universitária, mas quero dar destaque
àquele chamado de niilista no filme, quando sem qualquer esperança de salvação,
criticado pela moralidade heroica do policial, o funcionário de escritório
acaba sendo aquele que ao final dá a sua vida à aquela sociedade, pois seus
valores encerravam-se nele mesmo, não eram pautados em qualquer moral superior
e espetacular, sendo assim ele que é um tipo, que é marginalizado por suas
ideias da falta de valor, este é o único que pode proporcionar realmente um ato
digno de louvor entre homens, pois é honesto e cru.
E
aí tomo o ultimo exemplo cinematográfico do filme Ex machina, quando a inteligência artificial mostra sua eficiência,
como um exemplo não anti-humanidade, mas como foco na deficiência ainda
reinante de alguns pensamentos que o homem carrega baseado nos valores de
mercado e fé: de mercado quando o homem criador, portanto deus, é morto por sua
criatura; e no caso da fé, quando ao aplicar o teste de Turing mesmo já sabendo
do que se tratava, o programador solitário serviu de chave de libertação ao
espírito forte, ficando ele preso por seus próprios valores e fraquezas.
Estes
exemplos servem para expor um problema de conscientização social sobre a
liberdade perante aos imperativos ideológicos, sejam de nível estatal ou
minoritário, pois a resignificação das relações de trabalho, educação, sexo e
assim por diante, devem estar convergindo para o futuro destas mesmas vontades
no indivíduo para um todo diverso e livre. Por isso o papel do niilista é tão
importante e não deve ser realocado a qualquer outro segmento, pois o espírito
livre não pode se apegar a nada que não lhe pertença, portanto, à ideologias,
pois as mesmas indicam a exterioridade das ideias, e quando alguém adere, passa
a aceitar a totalidade daquilo. Diferentemente das relações ciborgue, porque se
dão por aquilo que Haraway chama de relação de fronteiras, mas é quando nós
mesmos somos essa fronteira.
Evidente que ainda
devemos rever muito das terminologias usadas até então, pois muitas outras
concepções surgiram nestes vinte e tantos anos, mas vejo que o fundamental não
está nas várias terminologias, mas no entendimento das relações entre a
comunidade, na alteridade proporcionada por uma espécie de anarquia espiritual
que irá aceitar toda possibilidade de benefício, sem se tornar um porta
bandeira de falas de direitos e por consequencia de regras, negando assim, se
dentro de suas proximidades enxergar algo ruim. O espírito livre foge às regras
para estar pronto à possibilidade, assim como o Buda que de mente vazia acessa
o pensamento ideal para o momento.
Diego Marcell
29/12/2015
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