6.4.15

Ter


O ser humano se autoenreda por uma necessidade que possui de ter. Ter para o ser humano é imaginar-se como Ser. Mas nisto criou-se a grande prisão. Uma das decorrências é a geração de Abismo, morte para o individuo. Culpamos nossos mitos, mas estes são nosso reflexo para validar nossa razão de assim proceder.
            O ocidente, antro de prepotentes, deixa claro quando se revela Platão o principal discípulo de Sócrates, talvez não seja, com certeza não é, provavelmente seja o pior e por isso tal fama o acarreta. O melhor discípulo do mestre jamais conheceremos, é anônimo. Não é Paulo de Tarso, mas talvez seja Maria Madalena. O melhor mestre é o que não deixa discípulos na terra, mas o que muda o pensamento.
            A sociedade é toda composta do discipulado deficiente da realidade.

Existem somente dois pobres seres amaldiçoados neste mundo, que não tem o direito de seguir esse eterno chamado e ser, crescer, viver e morrer como lhes ordena seu “propósito próprio” inato. Apenas o homem e o animal por ele domesticado são condenados a não obedecer à voz da vida e do crescimento, mas sim às leis que foram criadas pelos homens e que, de tempos em tempos, são novamente transgredidas e modificadas pelo próprio homem. E a coisa mais estranha é que os poucos que desobedeceram de modo consciente a essas leis para seguirem suas próprias leis naturais são, na verdade, condenados e apedrejados em sua maioria, mas depois passam a ser venerados para todo o sempre como heróis e libertadores.[1]

            Evidente que os seguidores de Jesus de hoje não o aceitariam se o conhecessem pessoalmente e assim com tantos outros. Alguns nascem póstumos, Nietzsche se autossentenciava. Mas assim eu não desejo, pois é uma espécie de vida alheia, vida no sentido de vivacidade, alegria e não esta sobrevivência proporcionada ao artista, como cantada Lobão[2] no melancólico samba:

Aurora, ninguém mais chora por mim, mas chorar por mim é coisa do futuro, eu juro, que ao orvalho cair vou lembrar daquele meu pressentimento de outrora e agora, nesse momento o meu tamborim silenciou, uma lagrima triste se petrificou dentro do peito de alguém que jamais chorou.

            Aquele que tendo consciência do seu mito ainda assim se agarra a ele, ou em nome do comodismo ou do medo, este vai se ver no espelho com o ódio que poderá ser canalizado ao primeiro desavisado que cruzar o seu caminho ou na melhor das hipóteses ao seu próprio reflexo. Porém a grande maioria ou prefere amar o mito ou então fingir que ele não existe (por isso os complexos na psicanálise), mas mais por deficiência natural que por escolha, afinal a autonomia continua sendo um conceito de difícil exploração. Quanto a ter, é mais um jogo de amarras e redes, é a forma de se segurar sentindo-se livre, mas voo livre é coisa rara na vida, mesmo porque ele pode beirar a loucura. Ainda em relação a ter: é como o fraco mascara a ausência do ser, praticamente como cercar a favela da Rocinha com a muralha da China. Por isso encontrar seu líder é tão fundamental para quem deseja ter, pois é preciso ter escola, mesmo que seja para rechaçá-la em seguida, até porque é campo certo negar o mestre, pois tem publico pra tudo. Mas o detalhe que mais me chama atenção, é que de inicio é preciso copiar fielmente cada movimento daquele que se tem como exemplo, assim como todos os pastores da Igreja Universal imitam a mãozinha defeituosa do Edir Macedo; o pior se dá quando nunca se abandona tais hábitos, pois estes mostram-se sem possibilidade alguma de salvação perante a vida, não há personalidade!

Diego Marcell
31/01/2013 – 06/04/2015

Referencias
HESSE, Hermann. O caderno de Sinclair. Rio de Janeiro: Record.
LOBAO; TOGNOLLI. 50 anos a mil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010.



[1] HESSE. O caderno de Sinclair. p. 51.
[2] LOBÃO. 50 anos a mil. 2010, p. 445.

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