Minha primeira
experiência de estágio se deu com o ensino médio no maior colégio estadual do
Paraná, eu já havia cursado um técnico anos antes no local, e desde aquele
tempo me impressionava a estrutura, que desde sempre julguei mal utilizada.
Para o estágio, porém, demonstra-se com uma bela dinâmica, de espaços,
equipamentos e materiais. Acompanhei um primeiro ano, do qual posso extrair a
reflexão de que por um lado positiva, ao ser de bastante aplicação prática, pelo
lado negativo, agora restrito ao professor específico da turma, seu desleixo
quanto a uma aproximação técnica das aplicações, deixando tudo muito sem
qualquer progressividade para que se indique as aulas de arte, a não ser pelo
conhecimento de certas linguagens, que ainda assim, parcamente resgatadas as
aplicações, pouco agregavam para a experiência dos estudantes.
Pensemos
então, já a partir deste exemplo, extraído de dentro de um lugar privilegiado,
daqueles que são fornecidos pelo Estado, que nota-se a deficiência, falta de punch, comodismo por parte do professor
ao exercer sua profissão, grande causa de tal deficiência talvez seja
identificável no abandono do mesmo da prática artística pessoal, ou seja,
aquele que leciona não é um artista, não sendo um lhe carece os ingredientes
necessários a um enredamento pela paixão daquilo que se carrega.
Já
vi muita gente falando, inclusive pensadores mainstream
sobre o fato da universidade não formar o autor, na forma de pesquisador
(historiador, artista, filósofo) e sim professor disso e daquilo, algo que
evidentemente não se pode negar, porém, a questão é justamente esta, um mero
professor ainda pode “ensinar” no mundo de hoje? Esta questão se apresentou
ainda em outra realidade a mim desconhecida, mas da qual foi corroborada.
Estava eu na primeira aula da escola Retrofuturista e o Profº Dr. Enéias
Tavares que é da área de letras, dizia de sua inserção da criação de ficção por
parte dos graduandos em determinada matéria, compativelmente a que expus acima
ele dizia que a faculdade de letras formava professores de letras e não
escritores, mas via se talvez com esta prática da criação ficcional aqueles não
se tornariam melhores professores? Não tenho dúvidas quanto ao resultado
afirmativo de tal fator que deveria ser já regra dentre os formandos do ensino
superior - independente de área - a presença da criação.
Confesso
que ao presenciar o conturbado momento político, suas interferências e eclosões
de vozes quanto ao ensino no Brasil, ficar indisposto a qualquer revolução ao
nível formal, pois vindo do meu primeiro dia de observação do estágio no ensino
fundamental só uma coisa martelava minha cabeça ao fim do dia: é só uma forma
de ganhar dinheiro fácil. É assim que se apresentam grande parte dos
professores, e tratando-se de arte, pensava eu “quão negativo está sendo o
trabalho dessa gente pra área da qual resolvi me dedicar”. Mais adiante explicitarei
as causas desses pensamentos. Mas voltando às revoluções, vejo que a mesma se
de com efetividade apenas em essência, e se não for pelos homens - como ao que
indica não será - ocorrerá pelas máquinas, quando estas passam a ditar novos
paradigmas na sociedade, ao perceber o que ocorreu para os humanos já será
tarde, e aí sim à fórceps inevitavelmente as coisas mudarão.
Enfim,
encerro meu estágio no ensino médio, com uma turma totalmente apática e mais
interessada em maças que em criação, e aqui as maças não fazem nenhuma metáfora
com se desejar o conhecimento, mas apenas um entretenimento que distingue as
coisas dentro da tradição escolar.
No
segundo semestre realizamos o estágio num colégio de ensino de jovens e
adultos, eu sempre tive interesse neste tipo de ensino, até mesmo por ter
frequentado um, porém por vezes me esquecia que estávamos numa turma de ensino
fundamental, sendo realmente difícil associar e nos fazer pensar quem são
aqueles que tem 17, 30 ou 50 anos concluindo o ensino fundamental e tendo que
ter aulas de artes. O que significam estas aulas nesta matéria para estas
pessoas?
Minha
educação nos anos 1990 ainda sob resquícios mais explícitos de uma nova
democracia ainda tentando lidar com as mudanças, creio que me entediavam, os
professores que não chamavam minha atenção ao conhecimento, me levaram a
reprovações por encontrar mais sentido na diversão que no cumprimento de coisas
sem diálogo com a realidade. Fui parar numa turma de aceleração (algo que
surgiu na época) com uma proposta de ensino diferente, mais orgânica, mas que
hoje percebo que os professores não tinham capacidade de aplicar o que a nova
proposta pretendia, o discurso não se completava na prática e o rigor formal
ainda sobressaia as nuances humanas da qual se propunham. Lá me deixaram meio
ano a mais o que desencadearia num futuro ter que encerrar o ensino médio num
e.j.a., pois se foi tranquilo pra mim passar pelo ensino médio, eu estava meio
ano atrasado (e nesta época inicio dos anos 2000 existia um sistema semestral),
como eu pretendia iniciar a faculdade no inicio do ano, fui adiantar minha
formação para não ficar seis meses num vácuo.
Evidente
que há um modo muito direto de entregar à sociedade pessoas com ensino básico
para que estes possam conseguir empregos, não me atentarei a toda esta
estrutura educacional e focarei apenas na matéria de arte que tive.
Em
toda minha formação escolar não me lembro, sinceramente, de coisas que não
fossem “desenho livre”, “desenho de observação” e “precisa fazer margem”, ou
seja, não tive nenhuma mínima formação artística; quando, porém fui ao e.j.a.,
a indicação era de que eu deveria apenas fazer uma produção livre e entregar,
não me lembro de qualquer aula teórica ou mesmo prática. Então arranjei um
pedaço de pedra sabão e esculpi um pé. Lembro de ter ficado extremamente feliz
com aquele resultado e aquela experiência, antes mesmo de receber os elogios da
professora. A indicação era que após um período eu poderia buscar minha
produção, voltei depois de uns meses e nunca mais encontrei meu pé de pedra
sabão, porém o guardo na memória como parte do que me abriu um entendimento
para algo que nunca recebi formação nem incentivo (exceto esta vez), e algo que
fui reatar somente na faculdade, mais de dez anos depois.
Esta experiência serve
como conexão ao pensamento que viria a desenvolver a partir das matérias
educacionais na faculdade, sobre o verdadeiro sentido da expressão artística na
formação do individuo. Quais as efetivas práticas que o professor deve
considerar de acordo com suas variadas turmas de estudantes, e aqui Paulo
Freire e Matthew Lipman não nos vem como sistema, como regra, como mestres, mas
como antropofagia, rizoma, como instrumento resignificado. E como encontrar
este sentido numa turma tão dispare como num e.j.a. de ensino fundamental? Como
respeitar a matéria humana das linguagens artísticas na obrigatoriedade do
ensino senão fazendo com que ela faça algum sentido em seres humanos que foram privados
desta experiência ou da consciência dessa experiência?
Por isso ao observar as
aulas eu só podia pensar numa aplicação que desse relação de experiência com o
fazer artístico aos estudantes em questão, não poderia pensar em mais teoria
que não fosse a mínima para subsidiar uma contextualização, e é claro, gostaria
de investigar, assim como na comunidade de investigação do filósofo
norte-americano para que os estudantes pudessem também se reconhecer ao
reatarem aquilo que lhes foi abafado de alguma maneira até aquele momento. Por
isso agora vou me ater as reflexões geradas a partir das observações nesta
turma de ensino fundamental de jovens e adultos que foram suscitadas do miolo
da causa.
Primeiro dia chego e a sala é pequena,
estreita, com mesas grandes no meio e carteiras na lateral, altamente imprópria
para práticas artísticas satisfatórias. Seis estudantes, sendo três mulheres
entre 16 e 23 anos e três homens entre 16 e 50 anos. Ao que parece na aula anterior a professora
havia passado o filme “Lixo extraordinário” em sala. Nesta aula ela pediu para
escreverem sobre o filme e depois falar. Findado este momento, ela distribui as
apostilas e fazem a leitura sobre a missão artística francesa; evidente que eles
não prestam atenção, não há identificação significativa dos temas da aula com suas
realidades, deixam claro que há mais importância na interação entre eles que na
aula. Em seguida a professora fala sobre ilustração botânica baseado nos
primeiros registros dos franceses e depois Margaret Mee (inglesa que veio pro
Brasil); as aulas tem seguido uma relação de arte com biologia, então a
professora trouxe umas florzinhas, entregou uma para cada junto a folha sulfite
para eles fazerem uma representação livre.
No segundo dia as coisas acontecem exatamente
como no dia anterior, a professora segue fielmente a apostila, pretende
“terminar o capítulo”, fazem a leitura de certo texto sobre “paisagens
brasileiras”. Neste momento passo a pensar na razão de haver professor se é pra
ler toda apostila sem ao menos conseguir agregar um fato paralelo ao assunto
que não esteja previamente escrito!? Quando fala de uma obra famosa que não se
encontra na apostila, ela não consegue nem expressar aquilo que cita, o sentido
de ter citado uma obra famosa do pintor que está sendo usado na apostila, mas
cuja obra não aparece no livro, por exemplo. Acontecem perguntas esparsas que
não se conectam com o sentido artístico, mas apenas técnico, físico, químico,
mas nada que tenha relação estética. Após toda a aula nesse discurso ela
pergunta para uma menina se a obra de Frans Krajcberg causava algo nela, a
menina respondeu que não; pois claramente não há uma motivação, uma mediação
que aproxime coerentemente ao estudante com sua ausência de animo, por isso
penso que uma aula de arte deve favorecer a sensação na pessoa, independente de
quem seja e em que nível esteja, mas principalmente nestas situações, onde
adultos com defasagem de estudo precisam concluir sua formação de forma
mecânica, a arte deve estar no currículo para cumprir seu papel e não o papel
servil dos números de um sistema de ensino, que segue preso a outras lógicas, o
ensino de arte, inclusive e com destaque a estas pessoas do e.j.a. onde deve
propiciar uma experiência, uma aproximação, não de nível técnico/histórico, já
que isso se esvai na vida daquele que não cultiva no espírito, sendo assim a
aula deve suscitar um sentimento e uma lógica que os faça perceber um campo que
compõe o ser humano do qual eles também devem participar, serem
autores/viventes, conjuntos, algo que os decalques dos livros didáticos e seus
distanciamentos não podem causar nem gerar. Como no meu pé de pedra sabão, quem
sabe se não fosse por ele, eu jamais tivesse ido às artes visuais e por
consequencia, jamais teria tido tais experiências e reflexões.
Novamente no final, ela pega uma questão da
apostila e pede para os estudantes escolherem algum tema passado no capítulo e
escreverem “o que acham” daquilo. A aula de arte acaba exaustiva, sendo mais
uma aula chata da escola chata brasileira.
Chegado o terceiro dia parece que uma das
meninas tinha concluído o módulo e sai antes de iniciar a aula. Havia dois
rapazes que não tinham comparecido nas outras observações. Um deles participava
mais no inicio da aula enquanto o outro ficava no celular. A professora segue
ao capítulo 2 da apostila intitulado “Os objetos”, lendo e dando alguns
pareceres quanto a algumas palavras usadas, no caso específico “designer” e
depois perguntando sobre como certo móvel na apostila se apresentava a eles.
Ela perguntou se eles sabiam o que era sustentabilidade, mas teve que ler uma
definição ao invés de contextualizar para a turma, enquanto isso a maioria se
dispersava. Depois ela pegou folhas e eles já deduziram, “vamos desenhar uma
cadeira?” (havendo até certa ironia na pergunta) e de fato foi isso que ela
pediu, porém não explicitou nada afirmativo como proposta; perguntada se era
pra copiar, - “não precisa copiar” – ou quando pedido régua – “não precisa usar
régua” -. O rapaz que a princípio só ficava no celular foi o único que fez uma
cadeira com perspectiva, fui lá e perguntei se ele desenhava, disse que não,
mas tinha certa noção, falou então pra professora, acho que vou fazer designe e
ela disse, mesmo que de forma suave, que se ele fosse designer “deveria atentar
a calcular as medidas”, ou seja, deixou passar a oportunidade de incentivar
alguém que já tem sua realidade educacional prejudicada e ainda por cima
colocou um empecilho desnecessário ao momento, ao invés de valorizar o
diferencial dele diante dos outros resultados já que com os outros ela nada
falou de relevante, ainda freou o ímpeto, mesmo que não passasse de uma
fagulha, ela jogou água sobre a única chance que tinha de proporcionar um
futuro a alguém.
Depois
disso ela propõe para que eles façam uma cadeira de material reciclável; perguntou
a turma se já haviam visto cadeira com material reciclável, uma menina tentava
dizer que já havia feito em outra escola, com muito custo quando finalmente
ouviu a menina, sem perguntar a respeito de como foi, como era. Bastava a ela,
então, apenas saber...? Porém ao que parece a feitura desta cadeira de material
reciclado (sic) primeiramente era pra ser feito seu projeto desenhado e
discursivo na folha sulfite.
Outro fato de destaque deste dia foi quanto aquele
que havia faltado e que no inicio da aula estava participando - parece que já
estava refazendo o modulo por várias vezes -, ele saiu da sala e foi para a
rua, algo que “pega mal” aos professores dada a situação do local (que há
grande concentração de trafico de drogas), o garoto disse que a diretora já
ameaçou tirá-lo da escola. Eu, todavia, precisaria de mais tempo para
identificar melhor seu perfil já que não aparenta ser alguém “marginalizado” a
primeira vista, depois, inclusive deu a entender que talvez ele traficasse também.
Ao final da aula a professora começou a
analisar os projetos das cadeiras, mas parece que apenas dois estavam atentos
ao discurso da mesma e foram saindo enquanto ela falava sobre os valores do
material reciclável.
No quarto dia havia cinco pessoas, todos
homens, um que não estava presente em nenhuma das observações anteriores, tinha
cara de menor de idade. Um que havia comparecido no dia anterior (o do desenho
em perspectiva) chegou apenas na segunda aula. A professora continua a leitura
da apostila junto aos estudantes. Tema de arte e ecologia, mas o assunto só
fica na questão ecológica, nada se fala de arte. Ela levou um cesto feito de
papel para usar de exemplo e um estudante (o mais velho) disse que eles
produziram caixinhas daquele tipo com a outra professora. Isso deixou ainda
mais claro a falta de interesse por parte da substituta de pensar uma aplicação
artística em sua aula, sendo que ao fim da anterior perguntamos se havia
materiais que pudéssemos usar em nossa aplicação e ela nesse tempo todo de
substituta nem havia se interessado em abrir as caixas de materiais, por
consequencia nem sabia da possibilidade de uso, disse que iria perguntar à
parte pedagógica, porém no presente dia nos revelou que não havia feito.
Leram sobre a Bauhaus, mas o assunto ficou em
torno do artesanato. A aula gira em torno de achismos, principalmente
por parte da professora. Em nenhum momento ela traz questões atuais que
entrariam no assunto, como consumo consciente, por exemplo; falta-lhe
claramente conhecimento e modo de aplicar, ficando presa as perguntas da
apostila.
Ao final o que fica é a tristeza, a decepção
diante da condição do ensino público, e onde todo aquele papo de “mais
educação” na realidade não é isso, ou injetar dinheiro ou reforma do ensino, se
toda nossa cultura de formação social não mudar, se o medo, a falta de
encorajamento continuar sendo perpetuado dentro das instituições de ensino,
sendo que estas estão presas, amarradas por um sistema vertical de tantas leis
a serem os agentes substitutos dos braços daqueles que não conseguem por
potência individual proporcionar a mudança, e educação é mudança, é acesso ao
conhecimento mediado por alguém que deveria ser capacitado a esta prática, mas
ao invés disso, prova-se que o professor não passa de uma peça a serviço de um
sistema que existe para satisfazer uma lógica arcaica de um serviço social
desconexo da realidade temporal, assim como do espírito do homem deste tempo.
Diego Marcell
23/02/2017
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