25.7.17

Relatório de estágio de licenciatura em artes visuais e as reflexões geradas




            Minha primeira experiência de estágio se deu com o ensino médio no maior colégio estadual do Paraná, eu já havia cursado um técnico anos antes no local, e desde aquele tempo me impressionava a estrutura, que desde sempre julguei mal utilizada. Para o estágio, porém, demonstra-se com uma bela dinâmica, de espaços, equipamentos e materiais. Acompanhei um primeiro ano, do qual posso extrair a reflexão de que por um lado positiva, ao ser de bastante aplicação prática, pelo lado negativo, agora restrito ao professor específico da turma, seu desleixo quanto a uma aproximação técnica das aplicações, deixando tudo muito sem qualquer progressividade para que se indique as aulas de arte, a não ser pelo conhecimento de certas linguagens, que ainda assim, parcamente resgatadas as aplicações, pouco agregavam para a experiência dos estudantes.
            Pensemos então, já a partir deste exemplo, extraído de dentro de um lugar privilegiado, daqueles que são fornecidos pelo Estado, que nota-se a deficiência, falta de punch, comodismo por parte do professor ao exercer sua profissão, grande causa de tal deficiência talvez seja identificável no abandono do mesmo da prática artística pessoal, ou seja, aquele que leciona não é um artista, não sendo um lhe carece os ingredientes necessários a um enredamento pela paixão daquilo que se carrega.
            Já vi muita gente falando, inclusive pensadores mainstream sobre o fato da universidade não formar o autor, na forma de pesquisador (historiador, artista, filósofo) e sim professor disso e daquilo, algo que evidentemente não se pode negar, porém, a questão é justamente esta, um mero professor ainda pode “ensinar” no mundo de hoje? Esta questão se apresentou ainda em outra realidade a mim desconhecida, mas da qual foi corroborada. Estava eu na primeira aula da escola Retrofuturista e o Profº Dr. Enéias Tavares que é da área de letras, dizia de sua inserção da criação de ficção por parte dos graduandos em determinada matéria, compativelmente a que expus acima ele dizia que a faculdade de letras formava professores de letras e não escritores, mas via se talvez com esta prática da criação ficcional aqueles não se tornariam melhores professores? Não tenho dúvidas quanto ao resultado afirmativo de tal fator que deveria ser já regra dentre os formandos do ensino superior - independente de área - a presença da criação.
            Confesso que ao presenciar o conturbado momento político, suas interferências e eclosões de vozes quanto ao ensino no Brasil, ficar indisposto a qualquer revolução ao nível formal, pois vindo do meu primeiro dia de observação do estágio no ensino fundamental só uma coisa martelava minha cabeça ao fim do dia: é só uma forma de ganhar dinheiro fácil. É assim que se apresentam grande parte dos professores, e tratando-se de arte, pensava eu “quão negativo está sendo o trabalho dessa gente pra área da qual resolvi me dedicar”. Mais adiante explicitarei as causas desses pensamentos. Mas voltando às revoluções, vejo que a mesma se de com efetividade apenas em essência, e se não for pelos homens - como ao que indica não será - ocorrerá pelas máquinas, quando estas passam a ditar novos paradigmas na sociedade, ao perceber o que ocorreu para os humanos já será tarde, e aí sim à fórceps inevitavelmente as coisas mudarão.
            Enfim, encerro meu estágio no ensino médio, com uma turma totalmente apática e mais interessada em maças que em criação, e aqui as maças não fazem nenhuma metáfora com se desejar o conhecimento, mas apenas um entretenimento que distingue as coisas dentro da tradição escolar.
            No segundo semestre realizamos o estágio num colégio de ensino de jovens e adultos, eu sempre tive interesse neste tipo de ensino, até mesmo por ter frequentado um, porém por vezes me esquecia que estávamos numa turma de ensino fundamental, sendo realmente difícil associar e nos fazer pensar quem são aqueles que tem 17, 30 ou 50 anos concluindo o ensino fundamental e tendo que ter aulas de artes. O que significam estas aulas nesta matéria para estas pessoas?
            Minha educação nos anos 1990 ainda sob resquícios mais explícitos de uma nova democracia ainda tentando lidar com as mudanças, creio que me entediavam, os professores que não chamavam minha atenção ao conhecimento, me levaram a reprovações por encontrar mais sentido na diversão que no cumprimento de coisas sem diálogo com a realidade. Fui parar numa turma de aceleração (algo que surgiu na época) com uma proposta de ensino diferente, mais orgânica, mas que hoje percebo que os professores não tinham capacidade de aplicar o que a nova proposta pretendia, o discurso não se completava na prática e o rigor formal ainda sobressaia as nuances humanas da qual se propunham. Lá me deixaram meio ano a mais o que desencadearia num futuro ter que encerrar o ensino médio num e.j.a., pois se foi tranquilo pra mim passar pelo ensino médio, eu estava meio ano atrasado (e nesta época inicio dos anos 2000 existia um sistema semestral), como eu pretendia iniciar a faculdade no inicio do ano, fui adiantar minha formação para não ficar seis meses num vácuo.
            Evidente que há um modo muito direto de entregar à sociedade pessoas com ensino básico para que estes possam conseguir empregos, não me atentarei a toda esta estrutura educacional e focarei apenas na matéria de arte que tive.
            Em toda minha formação escolar não me lembro, sinceramente, de coisas que não fossem “desenho livre”, “desenho de observação” e “precisa fazer margem”, ou seja, não tive nenhuma mínima formação artística; quando, porém fui ao e.j.a., a indicação era de que eu deveria apenas fazer uma produção livre e entregar, não me lembro de qualquer aula teórica ou mesmo prática. Então arranjei um pedaço de pedra sabão e esculpi um pé. Lembro de ter ficado extremamente feliz com aquele resultado e aquela experiência, antes mesmo de receber os elogios da professora. A indicação era que após um período eu poderia buscar minha produção, voltei depois de uns meses e nunca mais encontrei meu pé de pedra sabão, porém o guardo na memória como parte do que me abriu um entendimento para algo que nunca recebi formação nem incentivo (exceto esta vez), e algo que fui reatar somente na faculdade, mais de dez anos depois.
Esta experiência serve como conexão ao pensamento que viria a desenvolver a partir das matérias educacionais na faculdade, sobre o verdadeiro sentido da expressão artística na formação do individuo. Quais as efetivas práticas que o professor deve considerar de acordo com suas variadas turmas de estudantes, e aqui Paulo Freire e Matthew Lipman não nos vem como sistema, como regra, como mestres, mas como antropofagia, rizoma, como instrumento resignificado. E como encontrar este sentido numa turma tão dispare como num e.j.a. de ensino fundamental? Como respeitar a matéria humana das linguagens artísticas na obrigatoriedade do ensino senão fazendo com que ela faça algum sentido em seres humanos que foram privados desta experiência ou da consciência dessa experiência?
Por isso ao observar as aulas eu só podia pensar numa aplicação que desse relação de experiência com o fazer artístico aos estudantes em questão, não poderia pensar em mais teoria que não fosse a mínima para subsidiar uma contextualização, e é claro, gostaria de investigar, assim como na comunidade de investigação do filósofo norte-americano para que os estudantes pudessem também se reconhecer ao reatarem aquilo que lhes foi abafado de alguma maneira até aquele momento. Por isso agora vou me ater as reflexões geradas a partir das observações nesta turma de ensino fundamental de jovens e adultos que foram suscitadas do miolo da causa.
Primeiro dia chego e a sala é pequena, estreita, com mesas grandes no meio e carteiras na lateral, altamente imprópria para práticas artísticas satisfatórias. Seis estudantes, sendo três mulheres entre 16 e 23 anos e três homens entre 16 e 50 anos.  Ao que parece na aula anterior a professora havia passado o filme “Lixo extraordinário” em sala. Nesta aula ela pediu para escreverem sobre o filme e depois falar. Findado este momento, ela distribui as apostilas e fazem a leitura sobre a missão artística francesa; evidente que eles não prestam atenção, não há identificação significativa dos temas da aula com suas realidades, deixam claro que há mais importância na interação entre eles que na aula. Em seguida a professora fala sobre ilustração botânica baseado nos primeiros registros dos franceses e depois Margaret Mee (inglesa que veio pro Brasil); as aulas tem seguido uma relação de arte com biologia, então a professora trouxe umas florzinhas, entregou uma para cada junto a folha sulfite para eles fazerem uma representação livre.
No segundo dia as coisas acontecem exatamente como no dia anterior, a professora segue fielmente a apostila, pretende “terminar o capítulo”, fazem a leitura de certo texto sobre “paisagens brasileiras”. Neste momento passo a pensar na razão de haver professor se é pra ler toda apostila sem ao menos conseguir agregar um fato paralelo ao assunto que não esteja previamente escrito!? Quando fala de uma obra famosa que não se encontra na apostila, ela não consegue nem expressar aquilo que cita, o sentido de ter citado uma obra famosa do pintor que está sendo usado na apostila, mas cuja obra não aparece no livro, por exemplo. Acontecem perguntas esparsas que não se conectam com o sentido artístico, mas apenas técnico, físico, químico, mas nada que tenha relação estética. Após toda a aula nesse discurso ela pergunta para uma menina se a obra de Frans Krajcberg causava algo nela, a menina respondeu que não; pois claramente não há uma motivação, uma mediação que aproxime coerentemente ao estudante com sua ausência de animo, por isso penso que uma aula de arte deve favorecer a sensação na pessoa, independente de quem seja e em que nível esteja, mas principalmente nestas situações, onde adultos com defasagem de estudo precisam concluir sua formação de forma mecânica, a arte deve estar no currículo para cumprir seu papel e não o papel servil dos números de um sistema de ensino, que segue preso a outras lógicas, o ensino de arte, inclusive e com destaque a estas pessoas do e.j.a. onde deve propiciar uma experiência, uma aproximação, não de nível técnico/histórico, já que isso se esvai na vida daquele que não cultiva no espírito, sendo assim a aula deve suscitar um sentimento e uma lógica que os faça perceber um campo que compõe o ser humano do qual eles também devem participar, serem autores/viventes, conjuntos, algo que os decalques dos livros didáticos e seus distanciamentos não podem causar nem gerar. Como no meu pé de pedra sabão, quem sabe se não fosse por ele, eu jamais tivesse ido às artes visuais e por consequencia, jamais teria tido tais experiências e reflexões.
Novamente no final, ela pega uma questão da apostila e pede para os estudantes escolherem algum tema passado no capítulo e escreverem “o que acham” daquilo. A aula de arte acaba exaustiva, sendo mais uma aula chata da escola chata brasileira.
Chegado o terceiro dia parece que uma das meninas tinha concluído o módulo e sai antes de iniciar a aula. Havia dois rapazes que não tinham comparecido nas outras observações. Um deles participava mais no inicio da aula enquanto o outro ficava no celular. A professora segue ao capítulo 2 da apostila intitulado “Os objetos”, lendo e dando alguns pareceres quanto a algumas palavras usadas, no caso específico “designer” e depois perguntando sobre como certo móvel na apostila se apresentava a eles. Ela perguntou se eles sabiam o que era sustentabilidade, mas teve que ler uma definição ao invés de contextualizar para a turma, enquanto isso a maioria se dispersava. Depois ela pegou folhas e eles já deduziram, “vamos desenhar uma cadeira?” (havendo até certa ironia na pergunta) e de fato foi isso que ela pediu, porém não explicitou nada afirmativo como proposta; perguntada se era pra copiar, - “não precisa copiar” – ou quando pedido régua – “não precisa usar régua” -. O rapaz que a princípio só ficava no celular foi o único que fez uma cadeira com perspectiva, fui lá e perguntei se ele desenhava, disse que não, mas tinha certa noção, falou então pra professora, acho que vou fazer designe e ela disse, mesmo que de forma suave, que se ele fosse designer “deveria atentar a calcular as medidas”, ou seja, deixou passar a oportunidade de incentivar alguém que já tem sua realidade educacional prejudicada e ainda por cima colocou um empecilho desnecessário ao momento, ao invés de valorizar o diferencial dele diante dos outros resultados já que com os outros ela nada falou de relevante, ainda freou o ímpeto, mesmo que não passasse de uma fagulha, ela jogou água sobre a única chance que tinha de proporcionar um futuro a alguém.
 Depois disso ela propõe para que eles façam uma cadeira de material reciclável; perguntou a turma se já haviam visto cadeira com material reciclável, uma menina tentava dizer que já havia feito em outra escola, com muito custo quando finalmente ouviu a menina, sem perguntar a respeito de como foi, como era. Bastava a ela, então, apenas saber...? Porém ao que parece a feitura desta cadeira de material reciclado (sic) primeiramente era pra ser feito seu projeto desenhado e discursivo na folha sulfite.
Outro fato de destaque deste dia foi quanto aquele que havia faltado e que no inicio da aula estava participando - parece que já estava refazendo o modulo por várias vezes -, ele saiu da sala e foi para a rua, algo que “pega mal” aos professores dada a situação do local (que há grande concentração de trafico de drogas), o garoto disse que a diretora já ameaçou tirá-lo da escola. Eu, todavia, precisaria de mais tempo para identificar melhor seu perfil já que não aparenta ser alguém “marginalizado” a primeira vista, depois, inclusive deu a entender que talvez ele traficasse também.
Ao final da aula a professora começou a analisar os projetos das cadeiras, mas parece que apenas dois estavam atentos ao discurso da mesma e foram saindo enquanto ela falava sobre os valores do material reciclável.
No quarto dia havia cinco pessoas, todos homens, um que não estava presente em nenhuma das observações anteriores, tinha cara de menor de idade. Um que havia comparecido no dia anterior (o do desenho em perspectiva) chegou apenas na segunda aula. A professora continua a leitura da apostila junto aos estudantes. Tema de arte e ecologia, mas o assunto só fica na questão ecológica, nada se fala de arte. Ela levou um cesto feito de papel para usar de exemplo e um estudante (o mais velho) disse que eles produziram caixinhas daquele tipo com a outra professora. Isso deixou ainda mais claro a falta de interesse por parte da substituta de pensar uma aplicação artística em sua aula, sendo que ao fim da anterior perguntamos se havia materiais que pudéssemos usar em nossa aplicação e ela nesse tempo todo de substituta nem havia se interessado em abrir as caixas de materiais, por consequencia nem sabia da possibilidade de uso, disse que iria perguntar à parte pedagógica, porém no presente dia nos revelou que não havia feito.
Leram sobre a Bauhaus, mas o assunto ficou em torno do artesanato. A aula gira em torno de achismos, principalmente por parte da professora. Em nenhum momento ela traz questões atuais que entrariam no assunto, como consumo consciente, por exemplo; falta-lhe claramente conhecimento e modo de aplicar, ficando presa as perguntas da apostila.
Ao final o que fica é a tristeza, a decepção diante da condição do ensino público, e onde todo aquele papo de “mais educação” na realidade não é isso, ou injetar dinheiro ou reforma do ensino, se toda nossa cultura de formação social não mudar, se o medo, a falta de encorajamento continuar sendo perpetuado dentro das instituições de ensino, sendo que estas estão presas, amarradas por um sistema vertical de tantas leis a serem os agentes substitutos dos braços daqueles que não conseguem por potência individual proporcionar a mudança, e educação é mudança, é acesso ao conhecimento mediado por alguém que deveria ser capacitado a esta prática, mas ao invés disso, prova-se que o professor não passa de uma peça a serviço de um sistema que existe para satisfazer uma lógica arcaica de um serviço social desconexo da realidade temporal, assim como do espírito do homem deste tempo.

Diego Marcell
23/02/2017

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